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[RESENHA #950] O bolo fofo e outros contos, de Hebe Uhart


Ainda inédita no Brasil, Hebe Uhart ganha agora a sua primeira publicação em português, intitulada O bolo fofo e outros contos, com tradução de Josely Vianna Baptista e prefácio de Nara Vidal. A escolha do título, aliás, corresponde ao segundo livro de contos da autora, lançado originalmente no ano de 1977. São justamente os doze contos de O bolo fofo que inauguram a presente edição brasileira. Seguem-se ainda outros dois títulos, A luz de um novo dia (1983) e Guiando a hera (1997), reproduzidos integralmente neste volume. Por fim, uma seleção de cinco dos dezessete contos que compõem o livro Do céu à casa, de 2003. Ao todo, são trinta e seis textos reunidos, cujo intuito é o de introduzir o leitor brasileiro à obra desta grande autora latino-americana.

RESENHA
O bolo fofo e outros contos é o primeiro livro em pt-br da autora argentina Hebe Uhart. A obra é um emaranhado de contos, microcontos e crônicas elaborados pela autora com o tema viagem. A obra marcou o início prolífico da vida como escritora da autora na Argentina e no mundo todo. Com diversos títulos publicados ao redor do globo com inúmeras traduções, a autora agora nos brinda com sua genialidade em uma edição primorosa editada pela Editora Roça Nova, com tradução de Josely Vianna Baptista e arte da capa por Ana Cartaxo.
O conto O tio Pipotto de Hebe Uhart é uma história sobre a visita inesperada de um tio rico que vive em Lima, Peru, à sua sobrinha Teresa, que mora em uma casa humilde na Argentina com sua avó Emília e seu avô. O tio Pipotto chega em uma charrete e surpreende Teresa, que não o reconhece de imediato. Ele mostra desprezo pelo porco e pela cabra que Teresa tem no quintal, e também pelo marido dela, que é um ex-soldado do rei da Itália e que brinca de guerra com o filho. O tio Pipotto tenta se aproximar do menino, mas ele se mostra tímido e desconfiado. O conto retrata o contraste entre as classes sociais, as origens culturais e as expectativas de vida dos personagens, com um toque de humor e ironia.

A história de segue com a chegada do tio de Lima, José Manzzini. Ele tinha uma voz amável e um jeito diferente de solicitar as coisas, como quando solicitou à Tereza que chamasse sua vó, com seu consentimento. A vó preparou a cara de visita e foi avisar o avô e a avó da chegada de José. Foi preparado um belo jantar onde conversaram sobre tudo, inclusive sobre nada.

A obra é um convite reflexivo com narrativas simples que narram de forma descontraída os encontros e desencontros de famílias e acontecimentos expressivos e complementares em sua essência. O livro é uma coletânea de 36 contos extraídos de outros livros da autora. A obra recebeu diversas críticas positivas elevando o nome de Hebe Uhart no universo literário e na produção de histórias impactantes e inesquecíveis. Um marco na descrição poética da autora é sua prolífica capacidade de descrever acontecimentos que beiram o realismo com uma mescla de culturas e sentimentos que tensionam a esfera social descrita em seus enredos. 

O bolo fofo, capítulo homônimo ao título da obra, é o mais simples de todos. Ele narra basicamente uma tentativa da criação de um bolo. Apenas isso. Não há clímax, não há acontecimentos ou personagens marcantes, nada. E ai reside a beleza poética da capacidade descritiva de Uhart. A autora consegue com maestria captar a atenção do leitor do começo ao fim com uma narrativa simples, envolvente e completamente imersiva.

O melhor conto, em minha opinião, é o menino que não conseguia dormir. Aqui, Uhart nos brinda com sua genialidade mais uma vez. A descrição narra a vivência da mãe com seu filho que tem dificuldades para dormir, ela então o acompanha até a cama, o ajeita e o aconselha a contar carneirinhos. O garoto possuía uma capacidade imaginativa fértil que prendia sua atenção e o dispersava durante o sono, o que o fazia chamar sua mãe constantemente. A construção elaborada pela autora nos leva aos caminhos da reflexão dos momentos que partilhamos entre familiares e vida. O melhor em tudo é a mescla de sentimentos que a autora traz em suas linhas: a solidão, a solitude, a família, os jantares, os encontros, os amores, os desamores, os afetos e por fim, a capacidade de aproveitar cada centavo de minuto possível.

A AUTORA
Hebe Uhart foi uma escritora argentina. Começou a publicar seus contos na década de 1960. Com uma carreira discreta, marcada por uma opção pela narrativa curta e sempre publicando por editoras de pequeno porte, foi mesmo assim considerada por Rodolfo Fogwill como a melhor escritora da Argentina.

[RESENHA #577] Basta um, de Flora Nwapa


APRESENTAÇÃO

Amaka não consegue ter filhos. Este é o ponto de partida do quarto romance de Flora Nwapa, publicado originalmente em 1981. Basta um conta a história da protagonista Amaka em busca de uma vida independente, financeira e amorosamente. Amaka é uma mulher que procura viver o amor e sobretudo a maternidade segundo as suas próprias intenções e desejos. O livro explora uma temática de envergadura para a escrita de Nwapa: a de contar a mulher africana considerada não convencional, tendo a oralidade como forte marca textual — é Amaka quem toma as rédeas de sua narrativa, contando seus desafios e peripécias aos demais personagens do enredo e a nós.


RESENHA


Flora Nwapa é uma proeminente autora nigeriana, sua obra desdobra-se sobre as inúmeras revoluções e acontecimentos na vida de uma mulher. Sua escrita feminista, evoca sentimentos de luta e empoderamento social contra o cinismo da Nigéria da década de 1970 em relação aos tratos e perseguições sociais, políticas, econômicas e religiosas em uma sociedade altamente patriarcal. A construção de sua personagem principal, Amaka, é um grito de resistência por meio da ação feminina no campo social, a figura da mulher que busca um reconhecimento e local de fala no campo social, desafiando assim, a figura estereotipada imposta pelo machismo e pelo regime patriarcal social.

Maria Carolina Casati, abre o prefácio desta obra com reflexões profundas acerca das mudanças de conceito previamente fundadas pelo patriarcalismo de que a mulher somente adquire a felicidade por meio do casamento ou da prole, enfatizando, claro, a importância de se ater à obras que abrem espaço para um debate político e social acerca da mudança de significado e significância da atuação da mulher nos dias atuais. Casati também pontua a importância de se ler e conhecer obras que falem da mulher como um todo: como alguém que sofre, tem medos, anseios, vida e caminho próprio, não sendo desenhada ou denominada por seu poder de prover o lar e prole, atentando-se na escrita de Flora Nwapa que traz em suas páginas uma descrição de uma vida simples como de qualquer outra pessoa, mas repleta do simbolismo feminista e do poder da mulher em agir em benefício próprio contra uma esfera amplamente machista e desacreditada nos poderes e no agir da figura da mulher no campo social.

Esta não é uma obra sobre como engravidar ou ser mãe, muito menos sobre felicidade matrimonial duradoura, é um convite para um caminho alternativo à se vivenciar sentimentos e vivencias sexuais à sua maneira, livre das amarras e obrigações impostas pela sociedade, pode-se dizer que Nwapa descreve a mulher como deve ser: livre. Ainda que possuidora de uma escrita feminista que evoca a necessidade de se colocar onde se deseja estar, a escrita também nos evoca, segundo Casati, para que não nos esqueçamos de que a figura da mulher é uma construção social, embora seja evocada de maneira associal e a-historicamente.

A obra se inicia em uma conversa difícil entre Amaka, e sua sogra, ela era casada com um rapaz gentil e amoroso, Abiora, e gostaria de manter seu casamento, afinal, ela amava a ideia de ser casada, e por um motivo, havia inveja de outras mulheres em matrimônios. A conversa segue dura e difícil entre as duas, e piora com o surgimento do marido de Amaka no recinto, que logo é expulso pela mãe do cômodo, para que ambas possam prosear acerca do tópico que se mantem ausente, apenas nos é mostrado que ambas dormiram mal por refletirem em um acontecimento anterior, e Amaka gostaria de ter o perdão da sogra e obter novamente a paz em seu casamento, que está afligindo o filho naquele ponto, tudo pela impossibilidade de Amaka ter filhos.

Dentro dela havia uma fé, a fé cega de que todos os ginecologista que consultara estavam errados e que ela, no bom tempo de Deus, teria não apenas um, mas vários bebês. Esse sentimento de fé, nunca a abandonou.

Em todas as relações amorosas que teve ao longo da vida, Amaka, desconhecia a palavra prazer sexual, para ela, um homem e uma mulher só deitavam com um único propósito: procriar. Este era, talvez, o fardo que ela tanto carregou por tanto tempo, o peso de achar que estava equivocada acerca do prazer, o que aumentou seu sentimento de culpa por não conseguir engravidar. Seu estado estéril era visto com desdém por todos, sobretudo, por sua sogra que amaldiçoou a relação de Amaka com Abiora, o pedindo e suplicando para não se casar com uma mulher estéril.

Obiageli é amiga de Amaka, e ao que parece, estava sempre com a amiga, esteve principalmente ao relatar a morte de seu segundo pretendente, Isaac, o homem com quem descobrira o prazer sexual, mas que infelizmente, se foi de forma inesperada, impactando assim, os sentimentos de Amaka, que ficou desamparada.

o que o destino está fazendo comigo, Obiageli? O que foi que eu fiz?

Mulheres do lar, bem casadas, era sinônimo de respeito e representatividade cívica, por isso Amaka sempre se via pressionada em encontrar um pretendente, seus pensamentos eram arraigados naquilo o que aprendeu com a sociedade a qual estava introduzida. Um tempo depois, Amaka conhece Bob, que a seduz, porém, ainda em tempos de difícil aceitação da perda de seu amado recente, ela vai se aconselhar com sua tia que à alerta sobre o pretendente em questão, que espancava a ex mulher e abandonara o filhos junto dela, filho este que pedira para abortar, sem sucesso, é claro.

o casamento pode ajudar a criar ou a destruir alguém. Aprendi com minha pripria mãe e estou pondo em prática o que ela me ensinou. Tem funcionado para mim e pros meus filhos. Também vai funcionar para você [...] (grifos meus).

O casamento com Obiora foi bom até que os tempos mudaram, todos zombavam dele por estar sendo sustentado por uma mulher, e isso o desagradava. Amaka deu-lhe um carro e o ajudou em seu trabalho, porém, sua mãe de nada sabia e era responsável por todas as dores da protagonista. Todo cenário de desenvolve em um misto de dor e arrependimento. O casamento era bom, mas as intervenções da mãe fizeram o filho mudar com sua esposa drasticamente, e o que era aceitável, começou a se tornar um pesadelo para Amaka, as palavras de seu marido eram cada vez mais inóspitas para com ela, e ela sentia-se acuada, afinal, todo progresso familiar provinha de seu pequeno negócio, que ajudaram o casamento com o carro e alimentação da família, por um momento, seu marido era carregado de orgulho, mas estes tempos chegaram ao fim.

A narrativa de Flora Nwapa narra a vida de uma mulher sofrida inserida em um meio social repleto de cobranças acerca do próprio corpo e da forma como administrava a própria vida, ela recebia cobranças da mãe, da sogra, das amigas e dos olhares indesejados da sociedade em seu espelho de vida, e isso à deixava cada vez mais triste consigo mesma por ser independente em diversos aspectos, algo que não deveria existir. Apenas um, é um titulo alusivo à vontade da protagonista em possuir um filho, não mais do que isso, apenas o suficiente para tornar-se digna à seus próprios olhos. Toda narrativa seguinte desenvolve-se na história da personagem em seu casamento que descia cada vez mais rápido a ladeira. Descobriremos nesta narrativa repleta de reviravoltas o desabrochar de uma mulher que descobriu em si mesma o poder de mudar tudo ao seu redor, apenas se valorizando. Uma obra poeticamente bem construída com uma estética proeminente de narrativa de fatos e sucessão de acontecimentos, sem dúvidas, um bestseller em ascenção.

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