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Maternidade e Poder: O debate de Elisabeth Badinter em 'O conflito'

Foto: Arte digital
 

APRESENTAÇÃO

Um livro que questiona o mito de que toda mulher tem o desejo e o instinto natural de ser mãe. Em O conflito: A mulher e a mãe, a autora reflete e pondera sobre os efeitos e causas da queda acentuada nas taxas de natalidade em todos os países desenvolvidos, o aumento do número de mulheres que não querem ter filhos, o renascimento do discurso naturalista para conquistar as mulheres no seu papel de mães e uma espécie de "ditadura do aleitamento materno". A maternidade agora está carregada de expectativas, restrições, obrigações e Badinter reflete sobre essas mudanças na sociedade de hoje.O conflito vendeu mais de 80.000 exemplares na França. O livro retoma o assunto de O mito do amor materno, que fez estrondoso sucesso na década de 80 e ficou meses em primeiro lugar nas listas dos mais vendidos da Europa, tornando-se um best seller na França. Existe grande interesse da imprensa em entrevistar a autora quando o livro for lançado. "[...] este livro torna urgente o questionamento sobre o lugar da maternidade em nossos dias, mas, sobretudo, afirma a liberdade de cada mulher." ― Márcia Tiburi"Denuncia a tirania da maternidade, que está mandando mulheres de volta para casa." ― L'Express"Um livro pungente." ― Le Point


RESENHA


O estilo de vida da mulher, caracterizado naturalmente pela diferença histórica e social a torna, sobretudo, donas de seu próprio caminho, podendo construir ou derrubar pontes sem pensar muito além do bem-próprio e de suas próprias intuições, independente do local onde se está inserida e o meio ao qual atravessa, claro que isso nem sempre foi assim, e este livro debate essa mudança de perspectiva na vida da mulher, sobretudo, do direito de optar ou não por ser uma profissional qualificada, uma mãe dedicada, uma esposa, ou simplesmente uma mulher solteira com ambições próprias e sem planejamentos concretos derivados de diálogos sociais impostos pela pressão social do ser mãe. Élisabeth Badinter nos lembra que a maternidade, apesar de ser gratificante, não é o único caminho para a realização pessoal. Na França, o modelo iluminista valorizava a emancipação feminina da maternidade, separando a identidade das mulheres desse papel. Atualmente, a ênfase está no desenvolvimento pessoal e na escolha consciente de ter filhos para enriquecer emocionalmente a vida de cada indivíduo. Para Badinter, a sociedade contemporânea é caracterizada pelo hedonismo e individualismo, influenciando as decisões relacionadas à maternidade.


Desde a década de 1970, testemunhamos uma revolução na forma como encaramos a maternidade. Esta transformação coincide com as revoluções sexuais e contraceptivas daquela época. E então, o que passou a ser uma forma natural de ser mãe, advinda do pensamento de que se é natural que toda mulher em idade fértil tenha um filho, Badinter discute sobre as múltiplas perspectivas que se acenderam com o passar dos anos, tornando as mulheres menos propensas à maternidade e elevando assim, a idade 'fértil' das mulheres, fazendo-as focar em relacionamentos saudáveis, vida a dois ou uma vida profissional despreocupada por um tempo sem o peso e responsabilidade da maternidade, o que as leva a desejar ou não ter filhos de forma mais tardia, não mais na casa dos vinte anos, mas agora, dos trinta e cinco aos quarenta, o que em sua maioria, ocorre apenas pela pressão do relógio biológico feminino, temendo então, desta forma, 'se atrasar' para se tornar mãe, embora algumas jamais optem por esta escolha.


A visão da criança e da maternidade foi transformada ao longo dos séculos, passando pela filosofia de Rousseau no século XVIII, pela ideologia natalista do final do século XIX e pelo advento da psicanálise no século XX. Isso fez com que a sociedade criasse um ideal de boa mãe que está sempre próxima e vigilante durante a criação do filho, o que claro, em partes, se perpetua até os dias atuais, e este é, talvez, um dos motivos que norteiam as decisões de mulheres em se tornar mães de forma mais tardia, assim, o filho se tornaria parte de uma vida agitada e vivida, não mais obrigacionista e direcionada unicamente ao desenvolvimento da criança. Essa visão de que toda mãe deve ser 'boa' e presente, trouxe consigo alguns problemas de curto e longo prazo, um deles, claro é o claro abandono da mulher em suas outras obrigações, ou, na maioria das vezes, agindo como um redutor de possibilidades na vida. Se antes a preocupação da criação do filho era uma preocupação social, pois, lidava diretamente com a felicidade da família, da mãe, da sociedade e do bem-estar da criança, hoje as preocupações se transformaram em uma onda de cuidados para o desenvolvimento humano, social e psicológico do individuo.


Tradicionalmente, há uma distinção entre o feminismo igualitário, defendido por Élisabeth Badinter, e o feminismo diferencialista, essencialista e, acima de tudo, naturalista. O autor critica fortemente este último, por ignorar a questão da igualdade de gênero. As mulheres desta corrente enfatizam suas diferenças de identidade e experiências biológicas, celebrando a natureza e qualidades femininas ligadas à maternidade. O naturalismo contemporâneo é influenciado por preocupações ecológicas, com pais cada vez mais interessados em práticas mais naturais, como parto natural e uso de fraldas reutilizáveis. No entanto, a autora critica esse naturalismo contemporâneo, acusando-o de alienar as mulheres. Esse modelo de parentalidade tem ganhado adeptos, especialmente entre as classes mais altas, muitas vezes mulheres qualificadas com alto capital cultural que optam por ficar em casa com os filhos. Isso contrasta com as advertências de Élisabeth Badinter. Embora nem todas as mulheres possam seguir esse modelo, está se tornando cada vez mais presente na sociedade, impactando as mães de maneiras variadas.


Outro problema, ou não, é o favorecimento da política acerca das práticas reprodutivas das mulheres, funcionando como uma válvula catalisadora da economia do país. Embora nem todos os países conseguem, de forma satisfatória, criar quadro de leis e imposições em prol da maternidade, o mesmo não ocorre na França, onde a taxa de natalidade é superior à de outros países da Europa, embora exista o paradoxo, da mãe que trabalhava em tempo integral à mãe que que esta sempre presente no seio da família. O que torna o peso da responsabilidade materna menor, em alguns aspectos, é o papel do Estado na educação do indivíduo, o que, como sabemos, recai totalmente sobre a educação, não sobre a criação recebida pela criança em casa, menos ainda sobre suas faltas psicológicas, problemas emocionais e outros fatores que norteiam o comportamento da criança. 


Neste trabalho, Élisabeth Badinter destaca a persistente contradição enfrentada pelas mulheres em relação à maternidade e ao trabalho. As mães que trabalham são criticadas pelos defensores da família tradicional, enquanto o mundo profissional as censura por terem filhos repetidamente. Embora a maternidade seja considerada a maior conquista das mulheres, ainda é socialmente desvalorizada.


Cada mulher vivencia a maternidade de maneiras distintas, buscando encontrar o equilíbrio entre sua vida pessoal, vida de casal e papel de mãe. Algumas decidem não ter filhos para focar em seu tempo e energia, enquanto outras escolhem ter filhos e abandonar o trabalho para lidar com as responsabilidades familiares.


Em meio a essas diferentes experiências, a maioria das mulheres francesas adota um modelo misto, continuando a trabalhar enquanto criam seus filhos. Elas buscam estratégias para conciliar essas vidas duplas, encontrando soluções para cuidar dos filhos e trabalhar em meio período, se necessário. As mulheres francesas são mulheres emancipadas, que buscam afirmar sua individualidade independentemente da escolha que fazem em relação à maternidade.


Compre o livro O conflito:

https://www.amazon.com.br/conflito-mulher-m%C3%A3e-Elisabeth-Badinter/dp/6589828393/

[RESENHA #1013] O fabuloso e triste destino de Ivan e Ivana, de Maryse Condé

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Ivan e Ivana são irmãos gêmeos tão parecidos, que um olhar desavisado é capaz de confundi-los. Quando nasceram, em Dos d’Âne, um vilarejo pobre em Guadalupe, a pequena ilha caribenha, trouxeram alegrias infinitas à sua mãe, Simone, já acostumada ao advento de múltiplos em sua família. Inseparáveis, eles desfrutam das delícias do mundo nos primeiros anos de vida: o mar, a areia, a música e os carinhos.

O tempo, porém, deixou marcas muito diferentes em cada um. Ivana logo se revela doce e servil – sonha em ser enfermeira ou policial para ajudar as pessoas. Ivan, por outro lado, se revolta com a condição em que vê a si e aos seus – a miséria e o racismo lhe ferem fundo, e ele não consegue compreender por que o mundo é assim. Apesar da distância que se cria entre eles, o amor dos irmãos é tão forte que assusta e chega até mesmo a levantar suspeitas.

O destino dos dois é desenhado entre o fatal e o arbitrário. Quais os caminhos que uma única alma em dois corpos pode traçar? Quais escolhas delineiam as consequências de nossos atos? E quais fatores fogem do nosso controle? Quantas versões cabem em uma história?

Maryse Condé, a premiada escritora caribenha, alia o maravilhoso e o trágico nestas páginas ao misturar a vida singular a grandes questões globais. A autora trata com lirismo temas como racismo, sexismo, desigualdades sociais e econômicas, migração e terrorismo jihadista. O caos contemporâneo emerge entre dúvida, fé, violência e amor. Um livro fabuloso e triste para ressoar em todos – mesmo muito depois terminadas suas páginas.


RESENHA

Foto: Arte digital

Originalmente publicado em 2017 em francês, A vida maravilhosa e trágica de Ivan e Ivana é um romance picaresco que narra as aventuras transcontinentais dos gêmeos desde sua infância em Guadalupe, passando pelo tempo no Mali com o pai ausente, até chegarem em Paris nos dias de hoje. O livro aborda questões como colonialismo, radicalização, migração e exploração, mostrando como esses temas estão interligados. Com uma estrutura circular, o romance questiona se tudo começa e termina no útero.

Neste romance contemporâneo, a história dos irmãos gêmeos Ivan e Ivana começa com o nascimento em Dos d'Âne, um lugar esquecido por Deus em Guadalupe, que é comparado a um sapo atropelado à beira da estrada. Sua única conexão com a elegância está na cor verde esmeralda da cana-de-açúcar que a mãe deles corta. Guadalupe não é um país, mas sim um departamento ultramarino da França, e é visto por um jihadista como mais um lugar a ser libertado.

Ivan, o ingênuo, abandona o circo em protesto contra a crueldade com os animais, enquanto Ivana se dedica à leitura. Em uma ilha com altos índices de desemprego e onde recém-nascidos são negligenciados, Ivana mantém seu otimismo e destaca-se na escola. Condé, porém, destaca a necessidade de fechar os olhos para certas realidades a fim de encontrar a felicidade em Guadalupe.

O narrador acompanha a trajetória de Ivan, que se depara com a radicalização devido aos golpes do destino e as injustiças da vida. Ao se juntar ao pai, um músico mandingo no Mali, os gêmeos se veem em um país sob toque de recolher, dominado por gangues islâmicas que proíbem a música e destroem os estúdios de gravação. Ivan é recrutado para o Exército das Sombras, se converte ao Islã e tem seu passaporte roubado.

Resgatado e seduzido para um ménage à trois por um casal de expatriados, Ivan acaba sendo entregue novamente às mãos dos motociclistas traficantes que o roubaram. Depois de enfrentar diversas dificuldades, os gêmeos se estabelecem em um subúrbio sombrio de Paris. Ivana inicia sua formação na academia de polícia, enquanto Ivan se torna professor do Alcorão para jovens árabes franceses.

Quando um amigo morre sob custódia policial, Ivan é atingido por uma série de revezes que culminam em um banho de sangue terrível. No entanto, sua reabilitação é promovida pelos empáticos escritores de um livro chamado "O Terrorista Relutante".

Condé não faz concessões. O tapete é constantemente puxado de debaixo de nossos pés com uma mistura de verdades estranhas e golpes irônicos. Os alvos variam desde um policial aposentado, com ordens para mirar na cabeça e eliminar qualquer ameaça, até ensinamentos distorcidos sobre a escravidão praticada pelos sultões árabes. Sobre um mundo dividido em dois campos, o romance levanta questões sobre a falsa ideia de vitimização e a brutalidade em ambos os lados.

Com milhões de pessoas em movimento, Ulisses, um migrante somali, faz uma escolha desesperada ao optar por se prostituir em vez de ficar preso em um campo de migrantes. A referência cultural perdida para Ivan sobre sua nova morada na Rue Voltaire é apenas uma das muitas ironias presentes na história.

A provocativa diversão de Condé esconde um desafio: será que o Ocidente está realmente buscando de forma sincera as raízes do radicalismo jihadista, ou está, de alguma forma, fechando os olhos para os males evidentes que contribuem para alimentar o seu fascínio? A frase de despedida do romance, "você pode pegar ou largar", nos deixa a reflexão.

[RESENHA #572] Feminismo em comum, de Marcia Tiburi


APRESENTAÇÃO

Podemos definir o feminismo como o desejo por democracia radical voltada à luta por direitos de todas, todes e todos que padecem sob injustiças sistematicamente armadas pelo patriarcado. Nesse processo de subjugação, incluem-se todos os seres cujo corpo é medido por seu valor de uso - corpos para o trabalho, a procriação, o cuidado e a manutenção da vida e a produção do prazer alheio -, que também compõem a ampla esfera do trabalho na qual está em jogo o que se faz para o outro por necessidade de sobrevivência.

O que chamamos de patriarcado é um sistema profundamente enraizado na cultura e nas instituições, o qual o feminismo busca desconstruir. Ele tem por estrutura a crença em uma verdade absoluta, que sustenta a ideia de haver uma identidade natural, dois sexos considerados normais, a diferença entre os gêneros, a superioridade masculina, a inferioridade das mulheres e outros pensamentos que soam bem limitados, mas ainda são seguidos por muitos.

Com este livro, Marcia Tiburi nos convida a repensar essas estruturas e a levar o feminismo muito a sério, para além de modismos e discursos prontos. Espera-se que, ao criticar e repensar o movimento, com linguagem acessível tanto a iniciantes quanto aos mais entendidos do assunto, Feminismo em comum seja capaz de melhorar nosso modo de ver e de inventar a vida.

“O feminismo nos leva à luta por direitos de todas, todes e todos. Todas porque quem leva essa luta adiante são as mulheres. Todes porque o feminismo liberou as pessoas de se identificarem como mulheres ou homens e abriu espaço para outras expressões de gênero - e de sexualidade - e isso veio interferir no todo da vida. Todos porque luta por certa ideia de humanidade e, por isso mesmo, considera que aquelas pessoas definidas como homens também devem ser incluídas em um processo realmente democrático.” - do capítulo “Para pensar o feminismo”.

RESENHA 

Feminismo em comum, da filósofa e professora Márcia Tiburi, é um livro político-crítico do movimento feminista como num todo, de acordo com a autora, o feminismo deve ser pensado de forma analítica e crítica, por se tratar de um movimento arraigado de responsabilidades cívicas teóricas e práticas para erradicação de problemáticas advindas do campo social. Para a autora, o campo de estudo é repleto de autocríticas que merecem uma reflexão social profunda da análise dos atos por meio do poder de representação político-pública, modelo de ação de geração de impacto por meio da ação coletiva de um grupo em busca de uma transformação de comportamento social.

A crítica, na visão da autora, não é uma porta para destruição de um ideal, mas a oportunidade para se conhecer o campo no qual a problemática se desenvolve.

Ela pode ser uma desmontagem organizada que permite a reconstrução do objeto anteriormente desmontado [...] Toda forma de crítica, desde que seja honesta, é válida, mas considero que nesse último sentido, como atenção cuidadosa, é possível seguir aproveitando ao máximo as potências do pensamento que visa à transformação do mundo ao qual o feminismo, como ético-político necessariamente se liga. (grifos meus) (p.5)

O uso de todes, como categoria arbitrária de reconhecimento de gênero não-binário também é abraçado pelo feminismo, uma vez que a luta feminista englobou em seu campo de atuação todas as vertentes sexuais e a liberdade de expressão comum individual e prol do bem coletivo.

Todes porque o feminismo liberou as pessoas de se identificarem somente como mulheres ou homens e abriu espaço para outras expressões de gênero - e de sexualidade - e isso veio interferir no todo da vida. (p.6)

A luta feminista reordenou os aspectos das lutas de caráter coletivo, tornando-se de uma importância para o desenvolvimento de uma democracia radical, o que não ocorre com o machismo, uma vez que este designou de forma abstrata os desdobramentos da vivência coletiva social por meio do poder e ação dos homens em benefício do próprio coletivo, excluindo ações de performance que beneficiam o todo social.

A luta surgiu como uma ferramenta de análise própria de seu campo de atuação, fazendo-se necessário analisar os campos de atuação, os impactos e os resultados obtidos, todos por meio de um exercício crítico de pensamento e posicionamento individual de cada combatente, analisando não somente o feminismo como uma ação político-social, mas como uma ferramenta de construção constante de mudança de comportamento social, coletando informações e digerindo de forma minuciosa os próximos passos que idealizarão as buscas efetivadas por meio das performances coletivas de um todo.

Questionar os ideais nos quais acreditamos, ao contrário do que imaginamos, serve para nos situar no mundo. No entanto, perguntar se praticamos o feminismo como uma crença ou se ele é um instrumento de transformação da sociedade muda tudo. (p.7)

O patriarcado é, como em síntese geral, um sistema retrógrado que está arraigado nos sistemas e nas diretrizes constitucionais vigentes, colocando em benefício vantajoso a figura do homem, excluindo as mulheres, os diretos coletivos e as demais catracas sociais que fazem o mundo girar no dia-a-dia.

O que chamamos de patriarcado [figura responsável pelo sustento do machismo estrutural] é um sistema profundamente enraizado na cultura e nas instituições [...] Em sua base está a ideia sempre repetida de haver uma identidade natural, dois sexos considerados normais, a diferença entre os gêneros, a superioridade masculina, a inferioridade das mulheres e outros pensamentos que soam bem limitados, mas que ainda são seguidos por muita gente. (grifos meus - p.12).

Não é possível pensar o caráter dialógico do feminismo se não pensarmos no machismo como uma profunda falta de diálogo entre seres singulares. O machismo se sustentou no mando, na autoridade e no autoritarismo. Vimos que a misoginia é uma espécie de ódio histórico às mulheres, que aparece no mundo patriarcal em momentos diferentes da história [p.22]

O feminismo se constitui a partir da real necessidade de se dizer o que se pensa e se posicionar, uma vez que o patriarcado tomou para si todas as conquistas femininas, apagando da história os relatos de mulheres e sua vivência, como diz a autora, tudo o que se sabe sobre as mulheres foi documentado e exposto por homens, não tendo assim, um espaço de fala, o que criou a necessidade de se impor e buscar portas e caminhos que fossem-se abertas para que se criasse um diálogo de igual para igual, assim como podemos observar na luta histórica do feminismo em busca de direitos, sobretudo, do direito a fala.

Os homens produziram discursos, apagaram os textos das mulheres e se tornaram os donos do saber e das leis, inclusive sobre elas. Tudo o que sabemos sobre as mulheres primeiro foi contado pelos homens. Da filosofia à literatura, da ciência ao direito, o patriarcado confirma a ideia de que todo documento de cultura que restou é um documento de barbárie. (p.22)

A obra também elucida de forma clara a descrição do feminismo como um todo:

Mas o feminismo é ainda mais do que elucidação, crítica e luta. É também a conquista do direito de ser quem se é. Uma conquista comemorada a cada dia por quem se sente comprometido, em sua vida, com aqueles que não--puderamser-aquilo-que-poderiam-ter-sido em função de preconceitos de gênero e sexualidade, de raça e classe. É o feminismo que alerta para a forma de sujeição inscrita no gênero e na sexualidade. Pensar o que chamamos de gênero e pensar também a sexualidade como mecanismo de opressão: eis o que o feminismo busca. [p.34]

Em síntese, a obra da autora Marcia Tiburi é m convite para todos em busca da compreensão do campo de atuação do feminismo, tornando-o uma luta necessária a todas as classes e sexualidades, não causando uma divisão social como propagada, mas como uma ação conjunta de melhora da sociedade para todo o coletivo existente, não se abstendo de oposições e posicionamentos assertivos que viabilizem uma pauta geracional de diálogo entre todas as partes. Uma obra muito bem elaborada e escrita que esclarece e elucida conceitos e definições pouco conhecidas e de suma importância, trazendo visibilidade para todos por meio de suas ações e lutas diárias como uma ferramenta de mudanças que devem e são necessárias à todos.

[RESENHA #565] Niéde Guidon - uma arqueóloga no sertão, de Adriana Abujamra

 

APRESENTAÇÃO

Livro sobre a arqueóloga Niéde Guidon, guardiã de um dos maiores sítios de pinturas rupestres do mundo, o Parque Nacional Serra da Capivara, patrimônio cultural da humanidade.

Neste perfil da arqueóloga Niéde Guidon, a jornalista Adriana Abujamra revela a bravura e a doçura daquela que dedicou sua vida a proteger o maior tesouro arqueológico brasileiro, a despeito das opressões estruturais e da falta de apoio do Estado.

Desde a década de 1970, Niéde reúne recursos para proteger o Parque Nacional Serra da Capivara – declarado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Ainda sem o devido reconhecimento no Brasil, Niéde é célebre internacionalmente por empreender uma revolução no sertão do Piauí, levando educação, arte e melhores condições de vida para toda a região. Nestas páginas, leitores e leitoras poderão se aprofundar não apenas na vida dessa mulher à frente do seu tempo, mas também no cotidiano de amigos e sertanejos que convivem com Niéde e são responsáveis por seu legado.

Niéde Guidon: uma arqueóloga no sertão, publicado no ano em que Niéde comemora seu 90º aniversário, inaugura a Coleção Brasileiras. Como Joselia Aguiar, organizadora da coleção, afirma, “A aventura de Niéde é a de quem faz ciência no Brasil, num campo onde o investimento é ínfimo, quando não inexistente, e numa região nordestina vista como extremamente remota por aqueles que estão no centro de poder.”



RESENHA


A arqueóloga Niéde Guidon passou mais de meio século estudando vestígios dos primeiros povos das Américas. A ele se atribui a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, uma área de proteção, pesquisa e turismo. Além do patrimônio cultural da humanidade.


Niéde Guidon, na década de 1970, iniciou a maior das batalhas dos campos arqueológicos conhecidos pela humanidade: a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara. hoje, patrimônio da humanidade pela UNESCO. A luta não serviu apenas para alertar os moradores e as autoridades sobre todos os tesouros escondidos, mas também para impulsionar a vida das mulheres locais que viam em Niéde uma mulher guerreira, dotada de poderes e autoridades em um campo de atuação específico, o que tirou das mulheres a visão e ideia de que a imagem de resistência e poder cabiam unicamente aos homens, o que acabou fortificando a identidade feminina na busca por reconhecimento, poder e atuação.


O livro é uma homenagem da autora à arqueóloga, sua publicação marca os 90 anos de Niéde, que sempre se empenhou na busca pela proteção e preservação ambiental e histórica. A obra também constitui parte do projeto da editora Rosa dos Tempos, coleção brasileiras, destinado à publicar livros que enaltecessem grandes mulheres em seus mais variados campos de atuação.


A obra divide-se nos capítulos:

1. Niéde no inverno

2. Pedras no caminho

3. Primeiras expedições

4. Parque de papel

5. Pedra rachada

6. Deus e o diabo na terra do sol

7. Um lugar no mapa

8. Davignon n Sertão

9. Ninguém mexe com elas

10. Lusco-fusco


Até a presença de Niéde, todo 'rabisco' na paredes era apenas isso: rabiscos. Não se tinha uma noção clara da importância dos relatos impostos na parede, nem dos vestígios encontrados em escavações, todo aparato era banalizado, até que Guidon conseguiu convencer o governo francês e brasileiro de que a área merecia ser explorada e estudada com maior afinco, tornando o ponto inicial de partida dos trabalhos que revolucionariam a escavação e a arqueologia mundial. A criação do parque Nacional foi crucial para o desenvolvimento daquela região, uma vez que começara a gerar capital com visitas e excursões, tendo sido o primeiro parque nacional de preservação histórica à receber milhares de visitantes, se comparado à de outros países.


As pinturas rupestres e os escritos encontrados forneciam subsídios necessários para o entendimento da vida humana nos períodos pré-históricos, estabelecidos em grau de importância através da iniciativa de Guidon em explorar uma região assolada pelo sol e pela vastidão de matas, como em suas palavras: era como ler histórias em quadrinhos nas paredes. A conversa inicial foi de que talvez, homens estivessem interessados em procurar ouro naquela região, uma vez que os recursos de comunicação naquela região eram inexistentes, deixando apenas conversas cotidianas aflorarem entre os habitantes no famoso 'disse me disse', o que abria porta para diversas interpretações. A moradia era mantida através da caça e comércio em feiras por parte dos maridos, enquanto as mulheres, dificilmente exerciam tarefas além das domésticas, sua participação pública era mínima. 


Para que houvesse uma preservação das escavações encontradas, Niéde cuidou para que o seu acesso fosse facilitado, assim, todos pudessem ver e interpretar as pinturas com maior afinco e interesse através de escadas, o que acabaria com a necessidade de intervir no meio natural para deslocamento das pedras e dos achados para museus e exposições fora do parque, o que preservou toda integridade histórica local. As visitações começaram em 1992, mesmo após a intervenção e estudos da arqueóloga, que se iniciaram em 1979.


A tese era de que há pelo menos 32.000 anos as terras eram habitadas pelos primeiros homo sapiens, o que trouxe a tona uma série de debates, uma vez que a ideia propriamente aceita naquele período era de apenas 13.000 anos, o que trouxe luz às descobertas e a valoração de todo tesouro encontrado nas escavações. Niéde criou a Fundação Museu do homem Americano (Fumdham) para preservação dos patrimônios encontrados.


Com sua atuação, Guidon estabeleceu naquela região longe dos grandes centros econômicos, uma potência financeira que abriu as portas e o leque de oportunidades para os moradores locais, abrindo uma universidade e um aeroporto, hoje, considerado um dos mais bonitos do nordeste brasileiro.


Em suma, Guidon é a grande precursora do desenvolvimento da cultura por trás das escavações, seus mais de cinquenta anos dedicados à preservação do parque nacional lhe acendeu uma fama mundial por seu trabalho e dedicação. Um livro lindo para quem ama biografias, bons livros e histórias fascinantes de grandes mulheres. 




A AUTORA

Niède Guidon é uma arqueóloga franco-brasileira conhecida mundialmente pela defesa de sua hipótese sobre o processo de povoamento das Américas e por sua luta pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí

Lançamentos do Grupo Editorial Record :: Maio


O grupo editorial Record é o maior conglomerado editorial da América Latina, sendo um conjunto editorial de 16 editoras:Record; Verus; Bertrando Brasil; José Olympio, BestSeller, Galera; Junior; Galerinha; Rosa dos tempos; Civilização brasileira; Paz e terra; Difel; Best Business. BestBolso; Viva Livros e Nova Era.  Confira abaixo os títulos recém lançados do grupo para o mês de Maio.













[RESENHA #538] A luz dos dias, de Judy Batalion


APRESENTAÇÃO

A luz dos dias, traz a ainda desconhecida história das mulheres judias polonesas que lutaram contra nazistas durante a Segunda Guerra Mundial para proteger o seu povo.

Na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial, mulheres ― algumas ainda adolescentes ― ajudaram a transformar grupos juvenis judeus em células de resistência. O objetivo: combater os nazistas responsáveis pela destruição violenta da comunidade em que viviam. Em sua maioria, elas desempenhavam a função de “mensageiras”, atividade essencial para a operação dos grupos. Mas o trabalho ia muito além da transmissão de informações: elas eram agentes de inteligência, envolvendo-se em missões extremamente arriscadas.

Com coragem e astúcia, essas “mulheres do gueto” atuaram como verdadeiras combatentes durante o Holocausto. Disfarçadas de arianas, infiltraram-se em escritórios da Gestapo; ajudaram a construir bunkers subterrâneos e bombardearam linhas de trem alemãs. Resistiram a sessões de tortura e orquestraram fugas inacreditáveis. Contrabandearam documentos de identidade falsificados, dinheiro, publicações clandestinas e armas. Além disso, cuidaram dos doentes, acolheram as crianças e ajudaram a esconder e a proteger famílias inteiras.

RESENHA

A luz dos dias é o relato incrível da vida de guerrilheiras [Renia Kukiela, Frumk Plotnicka, Zivia Lubetkin, Tosia Altman e Hershel Springer, dentre outras] que lutaram em grupos organizados como resistência aos alemães durante a ocupação na Polônia, atuando nos guetos em turnos. Baseado no livro Freuen in di Ghettos, 1946 [mulheres nos guetos], Judy Batalion  nos brinda a essência da luta destas mulheres e todo o seu poder e inteligência durante o período de ocupação da Polônia.

Tudo começou na pequena cidade de Bdzin, que fora fundada para se tornar uma cidade-fortaleza, guardando a antiga rota comercial entre Kiev e o Ocidente. Em setembro de 1939, o exército invasor alemão tomou Bedzin, incendiaram sinagogas, assassinaram milhares de judeus - que naquela altura constituíam +80% da população, sendo os grandes proprietários de empresas locais -  três anos depois, 20 mil judeus usavam braçadeiras com a estrela de Davi, que acabaram sendo forçados à se mudar de suas casas para bairros menores, repleto de casebres completamente precários em estrutura e espaço, forçando todos a se espremerem. Este novo pedaço de terra onde instaura-se a nova vida judia tinha uma identificação: o gueto.

Esses guetos tinham contato com a Rússia, a Eslováquia, a Turquia, a Suíça e outros territórios não arianos. Assim, nesses bolsões escuros, surgiram células da resistência judaica. (p. 322 in um salto no tempo)

[...] dezenas de judias desconhecidas que lutaram na resistência contra os nazistas, a maioria de dentro dos guetos poloneses. Essas garotas do gueto subornavam guardas da Gestapo, escondiam revólveres dentro de pães e ajudam a construir sistema de bunkers subterrâneos. Flertavam com nazistas, os compravam com vinho, uísque e doces e, furtivamente, os matavam a tiros. (in duras na queda, p.964 (book)]

Os estudiosos do holocausto debatem acerca da definição real da resistência judaica, alguns acreditam que a resistência deu-se por meio da afirmação de um judeu como sendo humano, ou, qualquer ato que desafiasse a ideologia ou os feitos nazistas de maneira direta ou concreta. Outros acreditam que uma definição tão generalista minimiza a importância daquelas pessoas que arriscaram a vida para desafiar ativamente o regime, e que é preciso fazer uma distinção entre resistência e resiliência. (in duras na queda, p.1014 [in e-book]).

O movimento judeu-polonês havia eclodido de vez em pelo menos cinco grandes campos de concentração e extermínio - incluindo Auschwitz, Treblinka e Sobibor - bem como em dezoito campos de trabalho forçado. Trinta mil judeus se juntaram a destacamentos de guerrilheiros nas florestas. Redes judaicas apoiaram financeiramente 12 mil judeus na clandestinidade em Varsóvia. (in duras na queda, p.199 [in ebook])

A partir deste ponto instauraram-se sob todas as cidades da Polônia uma crescente rede de ataques e mortes. A igreja condenava o racismo nazista, mas promovia sentimentos antijudaicos. Nas universidades, os estudantes poloneses defendiam a ideologia racial de Hitler (p.552, in Po-lin [in ebook])

[...] Ao contrário dos judeus mais ricos da cidade, trancados na grande sinagoga enquanto os alemães a encharcaram com gasolina para então incendiá-la, ao contrário dos moradores loais que pulavam de prédios em chamas apenas para serem abatidos por tiros em pleno ar, a família de Renia não foi descoberta. [p. 719 in Do fogo ao fogo [in ebook])

O livro de Judy Batalion é um canto em prol da luta realizada pela resistência judaica nos guetos da Polônia. Uma rede de ação e informação foi criada e expandida em todo o território afetado pela ocupação, todas as cidades contavam com informantes que encarregavam-se de anunciar o estado de ocupação e segurança das respectivas cidades. Mulheres da resistência que tomaram à frente, que buscaram informações, que se passaram por alemãs, que enviavam recados e cartas e que entravam em ação sempre que a situação mudava desfavoravelmente. Uma história real fruto de uma pesquisa muito bem elaborada pela autora, o livro é, sem sombra de dúvidas uma viagem no tempo e uma leitura excelente para quem deseja alçar voos pela história do holocausto e da tragédia que acometeu o povo judaíco. Renia, você sempre será gigante.

A AUTORA

Judy nasceu e foi criada em Montreal, onde cresceu falando inglês, francês, iídiche e hebraico e tentando se manter aquecida. Ela estudou história da ciência em Harvard e depois se mudou para Londres para fazer doutorado em história da arte. Enquanto isso, ela trabalhou como curadora, pesquisadora, editora, palestrante, comediante, MC, leitora de roteiro, dramaturga, performer, atriz, produtora, tradutora, servidora de mmmuffins e temporária – em uma agência temporária.

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