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Pacto da branquitude: Por que precisamos entender este conceito?

O Pacto da Branquitude é um conceito utilizado para descrever a maneira como pessoas brancas se beneficiam de um sistema de privilégios e poder baseado na cor de sua pele. É a ideia de que indivíduos brancos, consciente ou inconscientemente, se beneficiam de uma estrutura social que privilegia a branquitude em detrimento de outras raças e etnias. Esse pacto envolve a perpetuação de estereótipos, preconceitos e discriminações que mantêm a supremacia branca e reforçam a desigualdade racial. A desconstrução do Pacto da Branquitude envolve o reconhecimento desses privilégios e a luta contra o racismo e a discriminação racial.

Essa desconstrução requer uma constante reflexão sobre os próprios privilégios e uma postura ativa na busca por equidade e justiça racial. Isso pode incluir a educação sobre a história do racismo estrutural, o combate a discursos e práticas racistas, o apoio a movimentos antirracistas e a promoção da diversidade e inclusão em todos os espaços.

É importante que as pessoas brancas reconheçam que o Pacto da Branquitude é real e que elas têm um papel ativo na desconstrução dessas estruturas de poder. Isso envolve não apenas a autocrítica, mas também ações concretas para promover a igualdade racial e combater o racismo em todas as suas formas.

Ao desafiar o Pacto da Branquitude, é possível construir uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva para todas as pessoas, independentemente da cor de sua pele. A luta contra o racismo é responsabilidade de todos, e somente com a união e o comprometimento de cada um podemos verdadeiramente avançar para um mundo livre de preconceitos e discriminações.

A desconstrução do Pacto da Branquitude também requer o reconhecimento de que a equidade racial não é algo que podemos alcançar individualmente, mas sim por meio de uma mobilização coletiva e sistêmica. É necessário apoiar e fortalecer iniciativas antirracistas, dar espaço e voz às comunidades racializadas, e trabalhar em conjunto para promover a diversidade, a inclusão e a igualdade de oportunidades para todos.

Ao nos comprometermos com essa desconstrução, estamos não apenas questionando e superando privilégios injustos, mas também contribuindo para a construção de um mundo mais justo, humano e solidário para todas as pessoas, independentemente de sua cor de pele. Juntos, podemos transformar o Pacto da Branquitude em um compromisso genuíno com a igualdade e a justiça racial.


Resenha: O Brasil como problema, de Darcy Ribeiro

 

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Os textos aqui reunidos são um retrato da paixão imensa que Darcy Ribeiro tinha pelo nosso país. Ele sonhou o Brasil como uma nova civilização, e foi à luta. Aqui Darcy fala claramente o que pensa sobre o Brasil e seus desafios, a história das sociedades humanas, as Américas, abrangendo as relações sociais básicas e os meios de subsistência dos povos.


RESENHA


O livro 'O Brasil como problema', do autor Darcy Ribeiro, é uma antologia de ensaios e estudos acerca dos problemas de desenvolvimento, sustentabilidade e sociedade no país. A obra é dividida em quatro seções, sendo elas: "O Brasil em causa", que visa analisar sob várias óticas os problemas relacionados à crise ética e política, às causas, aos problemas e ao envolvimento dos indígenas na história do desenvolvimento do Brasil. A segunda parte, intitulada "ensaios", é uma análise minuciosa da origem e formação dos povos latino-americanos, da Amazônia e de seus povos e das diferenças existentes entre o governo e o ato de governar e pensar social da Suíça como exemplo a ser seguido. O terceiro capítulo, "temas e fazimentos", narra o memorial da América Latina e a universidade do terceiro milênio, enquanto o quarto e último capítulo, "temas e problemas", se dedica a uma investigação empírica da urgência de temas como o Estado, as universidades e a chacina promovida pela lei agrária no país.


O Brasil é um país que se construiu independentemente dos desígnios de seus colonizadores, surgindo como um novo povo distinto de qualquer outro. Resultado da colonização europeia nas Américas, o Brasil é uma mistura de raças e culturas que se fundiram para criar uma nova civilização. Apesar de suas origens europeias, africanas e indígenas, os brasileiros são únicos e desafiados a se reinventarem, sendo herdeiros de uma terra exuberante que precisa ser preservada. O país é uma nação étnica e coesa, com potencial para se tornar uma civilização autônoma, solidária e influente no mundo. A população brasileira é unida pela língua e cultura, marcada pela criatividade e diversidade provenientes das influências de suas matrizes. Apesar dos desafios enfrentados, como a inclusão dos povos indígenas e negros, a pluralidade do Brasil é sua força para conquistar um futuro baseado no desenvolvimento.


Os capítulos podem ser analisados separadamente ou em uma única unidade de sentido, analisando o panorama proposto pelo autor em relação aos problemas que impedem, de certa forma, o desenvolvimento do Brasil e as problemáticas que povoam mortes e pobrezas entre os povos mais explorados.


Se pudéssemos analisar de forma mais elaborada as idéias do autor, poderíamos começar inferindo que a crise ética e política no Brasil é evidente, com escândalos de corrupção e desmandos que comprometem a normalidade institucional. O impeachment do Presidente da República e as investigações no Congresso Nacional mostram a gravidade da situação. A falta de punição para os envolvidos e as tentativas de limitar as investigações levantam questões sobre a capacidade do país de combater a corrupção e formar cidadãos íntegros. O Parlamento e o Judiciário também são alvo de críticas, com acusações de corrupção, injustiça e falta de transparência. A população exige uma atuação ética e responsável dessas instituições, que devem estar a serviço da nação e não de interesses particulares. Também menciona os desafios enfrentados pelo país na atual conjuntura, ressaltando a importância de uma política econômica voltada para a soberania nacional e o desenvolvimento independente e sustentável. Por fim, enfatizamos a necessidade de negociar a dívida externa e preservar as empresas públicas como estratégias para garantir o futuro do Brasil.


O autor destaca a corrupção e o clientelismo como graves problemas que afetaram a máquina administrativa brasileira, causando distorções e prejuízos. Ele critica a prática de nomeações políticas para cargas públicas e aponta a influência nociva das grandes empresas e multinacionais na economia nacional. Além disso, ele questiona a capacidade do empresariado brasileiro em promover o progresso e a distribuição de riqueza, apontando para a concentração de renda e a predominância de interesses estrangeiros no cenário econômico. As elites do Brasil, formadas por patronado e patriciado, são responsáveis ​​pela falta de ameaças no país, privilegiando a concentração de riqueza e poder em suas mãos. Enquanto nos Estados Unidos, as elites abriram oportunidades para os pioneiros cultivarem terras, no Brasil, a lei de terras de 1850 instituiu o monopólio da terra.


O atraso e a pobreza no Brasil são causados ​​principalmente pelo caráter retrógrado das classes dominantes, que sempre atuaram em benefício próprio, explorando o país para atender demandas externas. É preciso buscar caminhos de superação do subdesenvolvimento autoperpetuante e romper com a perversão econômica que perpetua a pobreza da maioria da população. É um desafio encontrar uma solução para os problemas comuns do Brasil e do mundo subdesenvolvido, que aguardam uma mudança de postura em relação ao mercado internacional. Vivemos uma conjuntura trágica, onde as diretrizes econômicas são insensíveis e alienadas aos interesses nacionais. Para avançar, é preciso formular um projeto de integração baseado no desenvolvimento social e na associação com os povos explorados. Todos somos prejudicados pela desigualdade social, pela falta de preocupação com as necessidades do povo e pela manutenção de uma sociedade injusta. 

Diante da atualidade marcada pela dívida externa e pela política de privatizações, os brasileiros enfrentam o desafio de compreender e equacionar essas questões para o destino da nação. Em um contexto em que um pensamento de direita é predominante, é necessário buscar alternativas diante do fracasso das esquerdas socialistas. As sociedades evoluem de maneiras diversas, com algumas se destacando e impondo sua hegemonia sobre outras. O Brasil, por absorver os frutos da Revolução Industrial sem se tornar um polo autônomo, acabou se tornando dependente e recolonizado. No entanto, o país, com suas condições únicas e sua população homogênea, tem potencial para se tornar uma sociedade vanguardeira, autônoma e próspera. A política atual, baseada no lucro e na privatização, leva ao empobrecimento generalizado e à concentração de riqueza. É necessário buscar uma abordagem mais responsável, que promova a colaboração das empresas estrangeiras com os interesses nacionais e a distribuição equitativa dos investimentos regionais. A submissão ao mercado global, sem uma vigilância eficaz, pode comprometer a soberania e as potencialidades do povo brasileiro.


Atualmente, o Brasil enfrenta dois desafios cruciais: a negociação da dívida externa, principalmente com os EUA, e o aumento das privatizações inspiradas pelo FMI. A dívida externa tornou-se um instrumento de chantagem e extorsão dos países ricos, controlando as nações pobres que produzem insumos para o capitalismo. O governo Collor tentou resistir aos banqueiros internacionais, mas acabou impondo medidas que causaram recessão e desemprego. Já o governo Itamar aprofundou o neoliberalismo, alegando não haver alternativa para a modernização econômica. O histórico da dívida brasileira remonta ao Império, onde o endividamento se tornou um vício. A exceção foi Getúlio Vargas, que modernizou o Estado e lançou as bases do desenvolvimento autônomo. Atualmente, não se sabe ao certo a situação real da dívida externa brasileira, que explodiu na última década, tornando-se a causa principal da crise econômica.


Estudos do professor Luiz Fernando Victor da Universidade de Brasília mostram que, de 1956 a 1988, o Brasil assumiu empréstimos e financiamentos de 267 bilhões de dólares, enquanto pagava 287 bilhões de dólares em serviço da dívida. Além disso, o país recebeu 33,5 bilhões de dólares em capitais de risco, mas remeteu 24,5 bilhões em lucros e dividendos, resultando em um saldo positivo de apenas 4,5 bilhões de dólares. Isso evidencia que o Brasil é, na verdade, um exportador de capital, com uma dívida crescente. A situação se agrava na América Latina, onde houve um prejuízo de 200 bilhões de dólares de 1982 a 1988 devido à transferência líquida de capital para os países credores. A política de privatizações, fortemente influenciada pelos países ricos, não resolverá os problemas econômicos do Brasil e apenas agravará a situação. A privatização da Companhia Siderúrgica Nacional foi um escândalo na história econômica do Brasil, sendo entregue a banqueiros por um preço muito baixo. A empresa junto com a Companhia Vale do Rio Doce representaram um marco na industrialização nacional, mas foram espoliadas por interesses privados durante a ditadura militar. Atualmente, a Vale possui um patrimônio enorme e está na mira dos tecnocratas que querem privatizá-la. Outras empresas estatais como Petrobras, Eletrobras e Embratel estão sendo alvo de privatização, o que representaria um prejuízo irreparável para o país. A tendência de privatização adotada pelo governo brasileiro está sendo questionada, pois em outros países, a desestatização é feita de forma mais cautelosa e responsável. A privatização na Inglaterra, por exemplo, resultou em problemas sociais e na queda do país no ranking das potências mundiais. O processo de privatização no Brasil está sendo conduzido de forma imprudente e prejudicial à economia nacional.


A importância da etnia na formação do ser humano é destacada, ressaltando que a comunidade étnica é essencial para a transmissão de conhecimento, valores e cultura. A língua e os saberes verbais são fundamentais para a identidade e sobrevivência de um grupo étnico. Mesmo diante de ameaças e influências externas, as comunidades étnicas têm uma notável capacidade de resistência, desde que consigam manter a tradição e criar os filhos dentro dos valores e conhecimentos do grupo. Além disso, é destacado que as microetnias, formadas a partir da divisão de grupos maiores, tendem a manter uma identidade própria e uma hostilidade em relação a outras microetnias.


Temas e problemas: Qual a causa real de nosso atraso e pobreza?

Esse capítulo, em especial, critica a ideia de Estado mínimo defendida pelos neoliberais, argumentando que o Estado brasileiro precisa ser recuperado e fortalecido para cumprir suas funções essenciais, como assistência social, educação e segurança. Destaca a necessidade de um Estado que atue em prol do povo brasileiro e não apenas dos interesses dos mais ricos. Critica também as políticas neoliberais que resultaram na precarização dos serviços públicos e na deterioração da máquina do Estado. Propõe uma reforma do Estado que o torne mais eficaz, ético e responsável, capaz de promover o desenvolvimento nacional autônomo e garantir o bem-estar da população. Em vez do Estado mínimo, defende o Estado necessário.


O capítulo também ameaça de genocídio imposta pela Lei Agrária brasileira, que impede a distribuição de terras improdutivas para os sem-terra. O movimento dos sem-terra reivindica direito à terra para viver e trabalhar, em oposição à concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários. A história do regime fundiário brasileiro é descrita como injusto e desigual, resultando na expulsão de milhões de pessoas do campo para as cidades. A reforma agrária proposta por João Goulart foi interrompida pelo golpe de 1964, impedindo a distribuição de terras e perpetuando o domínio dos latifundiários. A solução para a questão agrária no Brasil requer a distribuição de terras improdutivas aos sem-terra e a promulgação de uma lei do uso lícito da terra, revertendo terras mal adquiridas para programas de colonização. O texto conclui que o Brasil precisa escolher entre manter o sistema fundiário arcaico e injusto ou construir uma sociedade livre, justa e participativa.


O texto se consolida também narrando a experiência de vida do autor que dedicou sua vida a lutar por diversas causas, como a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária e o socialismo em liberdade. Ele se inspirou na generosidade e no compromisso dos antigos comunistas e acredita que a juventude atual precisa se engajar mais politicamente para superar as desigualdades e injustiças no Brasil. Ele ressalta a importância da unidade nacional, do orgulho da identidade brasileira e da responsabilidade histórica de construir uma sociedade mais justa e democrática. Ele conclama os jovens a se envolverem ativamente nas lutas por uma economia mais justa e pela democratização do acesso à terra.


O livro se finaliza com um capítulo intitulado 'Universidades, para quê?' com um discurso pronunciado durante a cerimônia de posse do reitor Cristovam Buarque, em 16 de agosto de 1985. Onde reflete sobre a importância e o significado da Universidade de Brasília, destacando as figuras que contribuíram para sua criação e desenvolvimento. Ele ressalta a necessidade de uma universidade séria no Brasil que possa promover a criatividade científica e cultural, e critica a universidade brasileira anteriormente existente. Darcy também elogia o novo reitor, Cristovam Buarque, e expressa a esperança de que a UnB renasça e cumpra seu papel como uma instituição de ensino de alta qualidade.


Em resumo, 'O Brasil como problema' é uma obra rica em análises e reflexões sobre os desafios enfrentados pelo Brasil em seu desenvolvimento como nação. Darcy Ribeiro apresenta uma visão crítica e propositiva, apontando os problemas estruturais e éticos que impedem o progresso do país, ao mesmo tempo em que destaca o potencial e a força da cultura brasileira. O autor enfatiza a necessidade de uma atuação responsável por parte do Estado e da sociedade, visando a construção de uma nação mais justa e solidária. É uma leitura fundamental para quem busca compreender as complexidades do Brasil e as possibilidades de transformação rumo a um futuro mais promissor.

A formação do Brasil em Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre

Foto: Divulgação

APRESENTAÇÃO

Em 1933, após exaustiva pesquisa, Gilberto Freyre publica "Casa-grande & Senzala", livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária. É considerado o livro capital da cultura brasileira. Passados 80 anos, continua sendo um clássico da nossa literatura, mostrando, com beleza e vigor, a formação do povo brasileiro pela mistura de raças e culturas. A atual edição possui introdução de Fernando Henrique Cardoso.


RESENHA

Foto: Divulgação

O clássico obra de Gilberto Freyre, Casa-grande & senzala, analisa a formação do povo brasileiro, destacando suas características positivas e negativas, bem como as peculiaridades de sua origem. O autor ressalta a sociedade patriarcal brasileira, descrevendo aspectos cotidianos na colônia, como a escassez de escolas e a criação das crianças no meio selvagem.

Freyre também compara o estilo de colonização portuguesa com a espanhola e inglesa. Ele investiga a miscigenação no Brasil, que ocorreu intensamente devido à falta de mulheres brancas na colônia. A obra aborda o mito da promiscuidade brasileira, erroneamente atribuída aos indígenas e escravos, assim como a opressão contra as mulheres.

O autor também destaca a influência da igreja católica na colônia, mencionando a proibição de negros e mestiços ao sacerdócio. Casa-grande & senzala é uma análise profunda sobre a sociedade brasileira e suas origens.

O livro aborda a formação do Brasil a partir de dois pilares fundamentais. O primeiro destaca a influência da monocultura latifundiária e do sistema escravocrata na colonização, onde Portugal não se preocupou em distribuir terras de forma equitativa, resultando em uma enorme concentração de propriedades. Devido à resistência dos índios em realizar trabalhos repetitivos, os africanos foram trazidos como escravos para trabalhar nos latifúndios.

Um aspecto interessante do livro é a análise da fusão das culturas africana e indígena, que se mesclaram e influenciaram elementos como vestimentas, culinária, comportamento e crenças. Essa mistura cultural, somada à presença europeia, resultou na formação do povo brasileiro, caracterizado pela diversidade cultural.

O comportamento dos portugueses foi essencial nesse processo, pois, ao contrário de outros europeus, demonstraram ser mais receptivos a influências externas e permitiram a miscigenação de culturas, como já haviam feito anteriormente com a cultura árabe dos mouros. Essa abertura para a diversidade é apontada como um dos motivos que contribuíram para a ausência de conflitos étnicos profundos no Brasil, apesar do passado escravocrata. Embora o racismo ainda persista, a resolução pacífica em comparação com outros países é destacada como uma característica positiva do Brasil. O segundo eixo fundamental do livro, intitulado "Casa-Grande e Senzala", aborda a divisão entre os poderes político, econômico e social na sociedade brasileira. Enquanto a Casa-Grande representava o centro do poder, com todos os privilégios e luxos, a Senzala era o lugar onde os escravos viviam desprovidos de direitos e sujeitos aos abusos dos senhores. Essa divisão criou um contraste entre os aceitos e relegados, deixando marcas profundas na estrutura social do país.

A cultura da Casa-Grande, de mandar e de privilégios, perdurou mesmo após a abolição da escravidão em 1888. O livro Raízes do Brasil destaca que os habitantes da Casa-Grande mantinham essa mentalidade no trato dos cargos públicos, beneficiando apenas amigos e negando oportunidades ao restante da população. Esse sistema de compadrio perpetuou desigualdades e injustiças na sociedade brasileira por muito tempo.

O livro expõe a complexidade do povo brasileiro, tanto em termos culturais quanto de formação. É importante considerar nosso passado para entender as dificuldades atuais do país, especialmente em relação às decisões políticas que parecem beneficiar apenas os governantes. A confusão entre interesses públicos e privados, talvez herança da Casa-grande e do compadrismo de Freyre, é um tema recorrente. A resistência a reformas e a manutenção do status quo também podem ter raízes históricas. A leitura de "Casa grande e senzala" pode ajudar a compreender melhor a realidade brasileira.

No geral, Casa-grande & senzala é uma obra fundamental para compreender a formação e a complexidade da sociedade brasileira. Freyre conseguiu analisar de forma profunda as raízes do Brasil, destacando tanto aspectos positivos quanto negativos. Sua abordagem da miscigenação, das influências culturais e da estrutura social do país é extremamente relevante até os dias de hoje. A obra nos leva a refletir sobre as origens das desigualdades e injustiças presentes na sociedade brasileira, e nos ajuda a compreender melhor os desafios que o país enfrenta atualmente. Em suma, Casa-grande & senzala é um livro que merece ser lido e estudado por todos que desejam compreender a essência do Brasil.

[RESENHA #991] Esboço de uma teoria da cultura, de Zygmunt Bauman


O livro Ensaios sobre o conceito de cultura, originalmente intitulado Culture as práxis (Cultura como práxis), foi escrito por um Bauman anterior à sua fama por abordar a liquidez da era moderna. Nesta obra, composta por três capítulos, Bauman revisita a evolução do conceito de cultura desde a filosofia grega antiga até o pós-estruturalismo. O primeiro capítulo explora a cultura como conceito, enfatizando sua natureza ambígua e sua incorporação em três universos discursivos distintos: hierárquico, diferencial e genérico. Bauman introduz o conceito hierárquico de cultura, destacando sua origem e a importância da educação e refinamento na sociedade. Ele discute a ideia de que a cultura é uma propriedade humana que pode ser adquirida, transformada e moldada. Para Bauman, a cultura hierárquica é carregada de valores e serve como um ideal a ser alcançado.

Bauman analisa que, para os antigos gregos, o ideal cultura-natureza não se dividia como estamos acostumados hoje em dia. O que era moralmente bom também era esteticamente belo e mais próximo da verdade da natureza. A unidade preordenada da realização era expressa no conceito de kalokagathia, que combinava o belo e o bom, discutido por todos os pensadores do período clássico. A parte "bom" do conceito correspondia aproximadamente às palavras admirar e louvar. Quanto à questionável hierarquia da cultura em geral e da kalokagathia em particular, Bauman destaca a análise de Gellner sobre a "bobilidade", que é um artifício sociológico através do qual a classe privilegiada absorve parte do prestígio de certas virtudes valorizadas sem precisar praticá-las. Existe uma relação estreita entre a noção de bobilidade e a lógica estrutural dos processos vivos, mas a avaliação do papel da hierarquia em uma sociedade conflituosa depende do contexto estrutural que é escolhido como referência.

Os conflitos em torno da noção hierárquica de cultura podem refletir o descontentamento dos grupos marginalizados. No entanto, atualmente, o conceito hierárquico não está mais ligado à antiga kalokagathia. O intelecto e o dinheiro podem impulsionar a mobilidade social ascendente, e Bauman argumenta que a cultura em sua forma hierárquica foi reinventada em favor dos eruditos e intelectuais.

A cultura como conceito diferencial é utilizado para explicar as diferenças entre as comunidades humanas, situando-se entre os conceitos residuais das ciências sociais. Historicamente, antropólogos têm utilizado este conceito para compreender e compartilhar as verdades culturais de diferentes grupos sociais. Por outro lado, o conceito genérico de cultura aborda a dicotomia entre o mundo humano e o mundo natural, destacando os atributos que distinguem a espécie humana. Neste contexto, a cultura é considerada uma característica universal e exclusiva dos seres humanos, sendo uma abordagem específica e humana para a vida. Alguns defensores deste conceito estão mais alinhados com a abordagem tradicional, mas situados na transição histórica do mundo animal para o mundo humano.

O segundo capítulo do livro aborda a Cultura como Estrutura, destacando que a estrutura é oposta à desordem e consiste em um conjunto de regras que regem as transformações entre elementos interconectados. Bauman vê a estrutura como o ordenamento das interações na sociedade, sendo essencial para a dinâmica sociocultural. Ele argumenta que a estrutura é fundamental para a cognição e o conhecimento, sendo composta por regras históricas que guiam a atividade mental e prática do ser humano. A estrutura social é percebida como uma lei transcendental e uma fonte de liberdade criativa. Bauman acredita que a abordagem estrutural da práxis humana oferece uma solução para a dualidade da cultura e da estrutura social. No terceiro capítulo, ele explora a cultura como práxis, destacando que o conceito transcende a dualidade entre subjetivo e objetivo. A cultura atua no encontro entre o humano e o mundo real, objetivando a subjetividade. Bauman defende que a cultura representa a práxis humana e eleva a autopercepção da condição humana além da experiência privada.

Mais tarde, Bauman começa a explorar a relação entre cultura e natureza com a teoria de Lévi-Strauss, que, em busca da universalidade entre todas as formas de cultura, inicia seu estudo antropológico com a proibição do incesto, que é o ponto de encontro mais evidente entre natureza e cultura. Ele discute o nojo e os tabus sociais relacionados aos produtos das necessidades fisiológicas humanas e chega à fronteira entre "nós" e "eles", que pode gerar um forte sentimento de xenofobia ou preconceito contra os marginalizados quando o outro é tratado com aversão. Neste caso, o outro é visto como viscoso, um termo frequentemente utilizado para se referir à ambiguidade percebida no estranho.

No entanto, antes da percepção humana da viscosidade, existe a práxis. A relação entre ambas proporciona um projeto que resulta em uma pesquisa rica e descobertas significantes. A perspectiva defendida no livro sugere a reorganização de várias descobertas adquiridas sob diferentes estruturas analíticas, embora em parte exija o estabelecimento de um novo projeto, que vai além do escopo do estudo em questão.

Bauman discute a cultura e a sociologia, examinando como esta última estudou o campo cultural ao longo de sua trajetória científica. Ele conclui que a cultura é singularmente humana, pois apenas os seres humanos podem reivindicar um significado mais profundo. As normas e ideais oferecem a única perspectiva a partir da qual essa condição é vista como a realidade humana e adquire dimensões humanas. O professor polonês sugere que essa perspectiva deve ser adotada pela sociologia para elevar-se ao patamar das humanidades, além de ser uma ciência, a fim de resolver um antigo dilema e entrar em contato direto com a práxis humana.

Bauman vê a cultura como a inimiga da alienação, uma vez que liberta o humano de um estado de revolta constante, abrindo portas para uma multiplicidade de realidades e permitindo a expressão de vontades e desejos anteriormente reprimidos. Ele argumenta que à medida que a práxis humana mantém sua natureza de revolta incontrolável, as profecias de um mundo sem significado perdem sua validade.

Na reedição realizada quase três décadas após a publicação original, Bauman acrescentou uma introdução na qual atualiza e analisa o livro com uma compreensão mais aprofundada das transformações culturais e sociais, abordando temas como o multiculturalismo. Ele reformula o paradoxo da cultura, explicando que o que serve para preservar um padrão também enfraquece seu poder, já que a cultura se autoperpetua à medida que o impulso de modificar, alterar e substituir o padrão persiste.

Atualizou e adaptou sua visão de cultura à sua teoria sobre a liquidez da modernidade no livro A Cultura no Mundo Líquido, originalmente publicado em 2011. No texto, o autor aborda a transformação da cultura de estimulante para tranquilizante em meio aos processos que modificaram a modernidade para sua fase líquida. Bauman enfatiza como a cultura passou a servir à manutenção do status quo e à reprodução monótona da sociedade. Apesar do pessimismo do autor em relação à modernidade líquida, ainda é possível enxergar a cultura como impulsionadora de mudanças, como demonstrado na luta feminista presente na música, literatura e audiovisual contemporâneo. O estudo aprofundado dos fenômenos culturais atuais poderia proporcionar uma melhor compreensão do impacto das manifestações de revolta, levando em consideração como a sociedade de consumo transforma a cultura em produto a ser consumido.

A análise dos três conceitos apresentados no primeiro capítulo do livro abordado nesta resenha revela a persistência do conceito hierárquico. Mesmo na música popular, considerada menos sofisticada que a clássica, há uma clara distinção de status entre diferentes artistas. Um exemplo disso é a diferenciação de refinamento existente entre a tropicália e o sertanejo, evidenciando a aplicação da intelectualidade na hierarquia cultural, mesmo que o aspecto financeiro também influencie. 

Quanto ao conceito diferencial, Bauman observou fatores que inspiraram Canclini a escrever sobre a mistura de culturas na era da globalização. A obra analisada nesta resenha reflete as preocupações de Bauman, indo além do formalismo acadêmico ao criticar a xenofobia e os preconceitos contra as classes marginalizadas. No entanto, dada a complexidade e multiplicidade do termo cultura, novos estudos são necessários para aprofundar e atualizar as questões abordadas.

[RESENHA #981] Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista, de José de Souza Martins


Segundo a Organização Internacional do Trabalho, hoje ainda há 27,6 milhões de trabalhadores, no mundo inteiro, sob diferentes formas de escravidão. Destes, quase quatro milhões estão nas Américas. Neste livro, o autor se propõe a desvendar e explicar essa anomalia social e moral no contexto brasileiro, com base na informação empírica já abundante sobre o tema da continuidade disfarçada da escravidão no período pós-escravista.


RESENHA

[...] o nome correto do que é o trabalho de quem vive sob a violência da injustiça: escravidão. (in - prólogo, p.8)


A obra Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista é um estudo minucioso do autor José de Souza Martins em relação as diversas faces da escravidão na contemporaneidade. O autor inicia sua análise comparando os trabalhos atuais aos trabalhos exercidos no período da escravidão citando casos de exploração de mão de obra humana em condições análogas à escravidão. 


Ainda agora, em 2023, dois fazendeiros do sul do Pará foram condenados a cinco anos de prisão pela submissão de 85 trabalhadores a trabalho análogo ao de escravidão. A ocorrência é de 2002, mas o crime de escravidão  é imprescritível. (p.10)


A condenação é uma vitória para o Brasil, levando em consideração a condição capitalista no Brasil, que, em outras palavras, leva-nos a uma contradição, uma vez que, estes trabalhadores explorados, na maioria das vezes, levados por sua condição e posição social, estudo, desinformação ou segregação, se submetem à trabalhos exaustivos pela sobrevivência. Este fato faz-nos pensar que dentre os diversos casos de exploração de mão de obra de forma desumana é, em síntese, uma ausência de escolha para alguns trabalhadores em nome dos fatores econômicos que movem a sociedade. Desta forma,  podemos elucidar que esta obra não é apenas um estudo da escravidão, mas das engrenagens que tornam o capitalismo uma ferramenta fomentadora da desigualdade, levando-nos a entender como o capital se organiza nas áreas econômicas da quase ausência total de intervenção dos governos.


[...] trata-se de um estudo sobre o modo como o capital se organiza, empreendimentos econômicos em áreas de condições sociais, econômicas e ambientais de quase ausência do Estado, em face das quais não tem sido incomum o recrutamento de trabalhadores, já antemão previsto, mas não relevado, que trabalharão como escravos. (p12)


Ao falarmos de escravidão atual - ou contemporânea -, estamos falando claramente de uma problemática social inserida no seio das contradições em nome de um capitalismo parasitário, claudicante, problemático que atravessa, acima de tudo, os interesses econômicos acima da racionalidade, de forma que, a sociedade, em maior parte, acabe por ser condenada pela ausência de apoio, estudo ou força maior que pare o parasitarismo do capitalismo no campo social na exploração desregrada de trabalhadores. Desta forma, podemos entender que a escravidão se recria sob as tensões da transformação social e ao mesmo tempo não se recria apenas. (p.19).


Para tal, o autor analisa a obra capital,  de Karl Marx, situando de forma clara o desafio interpretativo das análises de Marx sobre os lugares e os processos e determinações da totalidade. 


Marx se defrontou com a mesma incerteza no trato da questão da renda da terra e sua importância no desenvolvimento do capitalismo na Rússia e que o desfecho teria para configurar um possível histórico de tipo socialista [...] No Brasil, também temos um período de incerteza quanto ao tipo de capitalismo que aqui se desenvolveria a partir da crise da escravidão no século XIX. Boa parte dela na mesma época das análises de Marx. (p.25)


Só no regime militar e em decorrência do golpe de Estado em 1964 a questão agrária brasileira ficará definida com a reforma constitucional que deu viabilidade legal a função social da propriedade prevista na Constituição de 1946, com o Estatuto da Terra e com a política de incentivos fiscais à ocupação econômica de um território de cerca de mais da metade do país que foi definido como Amazônia Legal. Desta forma, durante a expansão do capitalismo brasileiro, os trabalhadores escravizados detinham dois cumprimentos frequentes para ampliação do capital: a mão de obra barateada e a função de criador de capital constante com a exploração da mão de obra no processo de barateamento dos meios de produção, criando assim, uma paralisação dos valores criados durante o trabalho para agregação na terra ao qual se era - ou é - investido.


 se o capitalismo fora uma possibilidade contida na escravidão, no capitalismo pós-escravista o não capitalismo de relações retrógradas era e é uma necessidade histórica do próprio capitalismo, o outro lado do processo do capital (p.33). Em outras palavras, o capitalismo já estava presente, de algum modo, no sistema de escravidão. Isso significa que, mesmo na estrutura de propriedade de escravos, havia algum aspecto de acumulação de capital, embora baseado na exploração de trabalho escravo.


No entanto, após o fim da escravidão, surgiu a necessidade histórica de relações não capitalistas como uma resposta ao próprio capitalismo. Isso significa que, para se manter e se perpetuar, o capitalismo precisava de outros mecanismos econômicos que não dependessem exclusivamente das relações capitalistas, que seriam retrógradas. Essas outras formas de relações econômicas podem incluir o trabalho assalariado, economias informais ou outros tipos de relações que não se baseiam unicamente na propriedade privada e na busca de lucro. Sugerindo que essas relações não capitalistas são uma parte essencial do processo capitalista, funcionando como um contraponto necessário para a sua continuidade.

O autor ainda cita um exemplo claro dessa relação não capitalista: No Brasil decorrente da abolição da escravatura, em particular na economia do café, era o caso da autorização do cultivo próprio de alimentos pelo colono, nas leiras do cafezal, pagando-o ele, assim, com renda em trabalho no trato do café em vez de receber pagamento pelo trabalho nelas realizado simultaneamente ao trato dos cafeeiros. (p.34).

A escravidão contemporânea não é um detalhe de um segmento do capitalismo, que possa ser estudado à parte como se fosse um todo como legalidade própria. Na verdade, trata-se de mediação constitutiva da totalidade do processo do capital. Escravidão contemporânea e capitalismo se determinam reciprocamente. (p.41).

A partir destes pressupostos, o autor trabalha o sujeito sociológico; o problema decorrente da problemática na sociologia; o desenvolvimento desigual do trabalho livre; trabalho cativo e as contradições dos cativeiros na história social.


O AUTOR 
José de Souza Martins é sociólogo. Professor Titular aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, da qual se tornou Professor Emérito em 2008. Foi professor visitante da Universidade da Flórida (EUA) e da Universidade de Lisboa, havendo sido eleito professor da Cátedra Simón Bolívar da Universidade de Cambridge e fellow de Trinity Hall (1993-1994). Em 2015, foi eleito para a Cadeira nº 22 da Academia Paulista de Letras. Autor de mais de duas dezenas de obras, publicou, pela Editora Unesp, o livro de crônicas O coração da Pauliceia ainda bate (2017, em coedição com a Imprensa Oficial), que em 2018 recebeu menção honrosa no Prêmio Abeu e foi finalista do Jabuti. É autor também de Sociologia do desconhecimento (2021), 2º colocado na categoria Ciências Sociais do Prêmio Abeu 2022, e As duas mortes de Francisca Júlia (2022).

[RESENHA #955] A ética do cuidado, de Fabienne Brugére

Em acurada tradução de Ercilene Vita, a obra de Brugère, na contramão da cultura neoliberal do empreendedorismo e da independência, propõe uma ousada revolução teórico-prática em que a atenção para com os outros e a responsabilidade social dos indivíduos e do Estado assumem o protagonismo, de modo que todas as formas de vulnerabilidade – dos migrantes à natureza, das mulheres às pessoas com deficiência, dos condenados pela justiça aos idosos – possam ser devidamente cuidadas.

A autora constrói sua argumentação sobretudo a partir dos textos norte-americanos fundadores da ética do cuidado e de três grandes eixos: as novas vozes a serem ouvidas em um mundo tão plural e a constatação das desigualdades de gênero; o cuidado para com a vulnerabilidade e as grandes dependências; e a reivindicação de políticas públicas para a promoção de uma igualdade real entre mulheres e homens e dos novos regimes de proteção.

Nas palavras da própria autora, “o cuidar supõe uma atenção a todas as vidas e a todos os seres que povoam o mundo. Essa definição bastante ampla – que reagrupa um certo número de atitudes, a capacidade de assumir responsabilidades, o trabalho do cuidado e a satisfação das necessidades – faz do cuidado uma atividade central e essencial da vida humana: a experiência do cuidado adquire, nesse sentido, um tipo de universalidade, porém essa universalidade não é de forma alguma abstrata, pois caracteriza o tipo de relação que convém ter com um ser singular, um elemento natural ou um objeto, a partir do momento em que se reconhece o seu pertencimento a um mundo vulnerável (…). Nesse sentido, é pertinente conferir à ética do cuidado uma consistência ontológica. Na realidade, uma ontologia do cuidado se baseia em uma crítica a todas as formas de poder, sejam elas naturais ou fabricadas pelo homem, em favor de tudo que merece proteção, atenção e que sempre corre o risco do apagamento e da desaparição”.

RESENHA

"A ética do cuidado", escrito por Fabienne Brugére, é um livro que aborda de forma profunda e detalhada o tema do cuidado numa perspectiva ética. A autora apresenta uma análise histórica, social, política, geográfica e antropológica acerca dessa temática, oferecendo uma visão abrangente e aprofundada sobre o assunto.

No enredo do livro, Brugére retrata o cuidado não apenas como uma prática individual, mas como uma responsabilidade coletiva. Ela descreve a evolução histórica do cuidado ao longo dos séculos, mostrando como as transformações sociais, políticas e culturais influenciaram a forma como cuidamos dos outros e de nós mesmos.

Os personagens principais do livro são apresentados como representantes de diferentes épocas e contextos geográficos, o que enfatiza a diversidade de experiências e concepções sobre o cuidado ao longo da história. A simbologia desempenha um papel importante na obra, sendo utilizada para ilustrar diferentes perspectivas e significados atribuídos ao cuidado.

Brugère defende que a ética do cuidado deve ser aplicada em todas as áreas da vida, incluindo a política, a economia e a cultura. Ela argumenta que o cuidado é uma forma de resistência contra a lógica dominante do individualismo e da competição. A ética do cuidado destaca a importância de reconhecer a interdependência e a fragilidade humana. Ela envolve uma preocupação real com o bem-estar dos outros, mostrando-se como uma resposta ética aos problemas e às necessidades enfrentados por aqueles que são mais vulneráveis.

A ética do cuidado enfatiza que todas as pessoas têm o direito de serem tratadas com dignidade, respeito e compaixão. Ela defende a importância de se estabelecer conexões mais profundas e empáticas com os outros, buscando entender e atender às suas necessidades emocionais, físicas e sociais Essa abordagem ética é particularmente relevante em contextos de cuidados de saúde, assistência social e educação, onde a atenção e o cuidado com o outro são fundamentais. Ela também se aplica às relações familiares e comunitárias, encorajando o cuidado mútuo e o fortalecimento dos laços afetivos.

A ética do cuidado não é sentimentalismo ou altruísmo exagerado, mas sim uma perspectiva ética que busca equilibrar interesses individuais e coletivos, considerando as necessidades de todos os envolvidos. Ela implica em tomar decisões éticas baseadas em relações de confiança, responsabilidade e reciprocidade.

No entanto, ao mesmo tempo, a ética do cuidado pode ser criticada por ser subjetiva e relativista, uma vez que sua ênfase nas relações interpessoais pode fazer com que diferentes pessoas tenham diferentes ideias sobre o que é necessário e adequado em uma determinada situação.A mensagem principal transmitida pela autora é a necessidade de resgatarmos o cuidado como valor ético essencial na sociedade atual. Brugére argumenta que, em meio à individualidade e ao individualismo predominantes na contemporaneidade, o cuidado se mostra como uma forma de reconectar-se com o outro e com nós mesmos, fortalecendo os laços sociais e promovendo o bem-estar coletivo.

Os ensinamentos presentes no livro são profundos e provocativos. A autora nos convida a refletir sobre a importância do cuidado em nossas vidas e a considerar como essa prática pode transformar nossas relações e o mundo em que vivemos. Além disso, Brugére traz à tona a necessidade de repensarmos os sistemas políticos e econômicos que muitas vezes colocam o lucro e o indivíduo em primeiro plano, em detrimento do cuidado com os outros e com o planeta.

Fabienne Brugére é uma filósofa e escritora francesa, conhecida por seus estudos sobre ética e cuidado. Além de "A ética do cuidado", ela tem outros escritos relevantes no campo da ética, como "Ética do consumo" e "Ética do encontro". Sua abordagem acadêmica é pautada por uma análise crítica dos valores predominantes na sociedade contemporânea, propondo alternativas éticas e morais para as questões atuais.

No entanto, uma crítica acerca das informações coletadas é a falta de aprofundamento em certos aspectos. Embora a autora apresente uma visão geral da evolução histórica e cultural do cuidado, alguns leitores podem sentir falta de um embasamento mais teórico e de exemplos concretos. Algumas críticas disponíveis na internet acerca da obra culpabiliza a escrita por se tornar genérica e pouco fundamentada, sendo apenas fruto de diversos recortes de pesquisas e textos acadêmicos americanos existentes, porém, eu discordo em todas as nuances. Além disso, algumas conexões entre os aspectos mencionados, como os históricos, sociais e políticos, poderiam ser melhor exploradas, a fim de fornecer um panorama mais completo e coeso. No entanto, considerando a ampla gama de temas abordados, é compreensível que a obra não possa aprofundar-se em todos os aspectos mencionados. Podemos chegar a conclusão de que a obra de Brugére, ainda que falha em alguns tópicos, é primordial e essencial para leitura de todos os que desejam se aprofundar neste novo campo de estudo: o cuidado.

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