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[#LeiaNacional] Entrevista com Cris Oliveira, autora de ❝Escova de dentes❞


Com uma escrita experimental, que traz influências da poesia concreta, da poesia narrativa e do haicai japonês, "Escova de dentes” (104 pág) é o livro de estréia da bibliotecária paulistana Cris Oliveira (@cris_taiane), uma das finalistas da chamada de publicação em poesia da Editora Claraboia. Publicado pelo selo de publicação assistida da Claraboia, a Editora Paraquedas, o livro tem orelha assinada pela escritora Ana Rüsche, finalista do Prêmio Jabuti em 2019. 


Nascida em 1974 em São Paulo, capital, Cris Oliveira é formada em Biblioteconomia e Documentação pela USP e trabalha com gestão de coleções digitais e metadados na sede da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, na Suíça, onde reside. Participou em antologias da I Jornada de Poesia Virtual e do VI Festival de Poesia de Lisboa, tem textos publicados na Ruído Manifesto, selo Off Flip e no blogue da Bibliotrónica Portuguesa da Universidade de Lisboa. 


Hoje, Cris nos conta um pouco mais sobre como se deu seu processo criativo em uma entrevista esclarecedora. Confira abaixo:

1. Escova de dentes é um livro sobre cotidiano e sobre como somos afetados por momentos, tensões e sentimentos no decorrer do dia a dia, porém, a obra não constitui um fio condutor, tornando a leitura fluida e única para cada leitor. Como optou por escrever uma obra nesta temática e com essa forma tão específica?

Sim, escrevi os poemas ao longo de quatro anos a partir de observações e reflexões feitas durante minhas perambulações e em momentos do cotidiano que envolvem desde tarefas triviais a experiências mais importantes como relações e sentimentos. Essa pergunta é muito boa porque me obriga a tentar entender a minha escrita, coisa que ainda não domestiquei, e que também não quero. Acho que a obra foi tomando um rumo sem eu me dar conta, e durante o processo surgiram perguntas, crises e muita reescrita. Encontrei poemas mais antigos que estavam na gaveta e que cabiam, e assim acho que foi nascendo o conjunto da obra, que fui descobrindo enquanto fazia. Acho que isso é o que mais gosto da escrita, a descoberta, seja fechando um poema com um verso ou uma rima, seja na revisão, na construção e reconstrução. Citando Peninha, “quando a poesia fez folia em minha vida”, o que mais me fascinava, e ainda me fascina, é a ideia da poesia nesse lugar onde tudo é possível, que nos convida a sair do costumeiro, de regras e formatos, de padrões, que nos convida a mudar o olhar. Eu acho que feras devem ser eternamente feras, e a escrita é isso pra mim, um bicho lindo, um instinto de criação que vem da natureza, de fora e de dentro da gente, que cria e recria sem parar, com a qual devemos conviver e compartilhar, não controlar. Momentos bons são momentos de harmonia com essa força, a poesia só pode ser isso, e é preciso entender menos e sentir mais. Pensar com o corpo. Esse é o lugar onde quero estar. A poesia é o portal e é o destino ao mesmo tempo. Gosto muito das provocações, do encanto poético, alguns poemas são mesmo respostas a poemas de grandes mestres, um atrevimento que é todo meu nessa experimentação que flerta com o sublime da poesia concreta, do haicai e da poesia narrativa. Talvez seja esse um fio condutor, a poesia experimental, essa forma. E, quando prestamos atenção, o ponto exato está ali, num detalhe. A palavra é o invento que faz o livro. Enfim, a poesia é tão primorosa que ela pode ser o que ela quiser, gosto de pensar que ela me dá carona. A última parte do livro, “Free soul”, é também essa afirmação. 

2. O título do livro é homônimo a um de seus poemas que exprime toda ideia central da obra. Ele foi o primeiro a ser escrito? Como optou pelo nome da obra?

Na verdade, o poema de título homônimo ao título do livro é um dos mais recentes, eu acho que foi o penúltimo poema que escrevi antes da publicação. Dar títulos a poemas não é uma tarefa fácil para mim. Eu brinco que um título pode ser um spoiler ou pode arruinar um poema, sobretudo quando limita a interpretação e condiciona a leitura. O Escova teve dois outros títulos, um pouco tristonhos. Precisei entender o que queria com minha escrita; gosto do encantamento da poesia através do humor, do jogo de palavras e de imagens. Foi relendo o “Escoliose” da Ana Frango Elétrico e o “Grapefruit” da Yoko Ono que tomei coragem de ousar, e o título veio do poema “visual arts”, e já tinha escrito o poema da epígrafe, que passou a ser epígrafe quando escolhi o título. “Hábitos atômicos” veio depois. Em espanhol tem uma palavra que eu adoro (por sua sonoridade e significado), que é “desubicado”, que é algo ou alguém fora do lugar, e a escova de dentes na geladeira é arte, é distração e é provocação para sair do piloto automático. O Escova talvez seja um livro desubicado.

3. Uma obra que aborda coragem e determinação ao mesmo passo em que somos tomados por sentimentos e aflições, um convite a encorajar-se nas questões difíceis. O caminho percorrido nas linhas tem algum motivo específico? por que decidiu falar sobre sentimentos de forma tão implícita?

Touché. Puxa, eu acho uma maravilha essa troca que a poesia proporciona, gosto de pensar que podemos ter a arte como cura porque ela é, é nosso alento, é inspiração, é nossa voz, é nossa resistência, é nossa união e identidade, individual e coletiva. Não é possível nadar no mar sem sentir a força das ondas, é meio clichê, mas a vida são esses movimentos, são momentos, a sensação que o tempo nos dá de ancorar, de não dar mais pé, de afundar, ou de boiar, esse entendimento de que é uma parceria mais do que uma luta para poder seguir nadando. Ao mesmo tempo, o poeta é um fingidor, bem disse Fernando Pessoa, os últimos anos não foram fáceis para ninguém. Quiçá na minha busca pela palavra exata, as dores sou eu e o verso são os outros. Quanto à franqueza, vou culpar a minha lua em virgem.

4. Pretende lançar outras obras dentro da mesma temática?

Eu gostaria muito de, independentemente do tema, conversar mais com o lirismo contemporâneo, que pra mim é um lirismo sem frescura, é lúcido, crítico e bem humorado, é popular e sofisticado ao mesmo tempo. Este é um desejo que surgiu quando li Marília Garcia, Alice Sant’anna, Filipa Leal e Ana Martins Marques: gosto da poesia narrativa. Talvez seja a continuação ou o contar de uma história o que me atrai como próximo desafio. Por outro lado, sempre gostei de poemas curtos. Quanto ao tema, eu ainda não sei ao certo, mas estou num ponto de inflexão na minha vida e novas reflexões não faltarão.

5. Como você se sente com as recepções que sua obra vem tendo?

Quando eu comecei a escrever eu não sabia o que queria com minha escrita e não imaginava que chegaria a publicar um livro. Eu fazia postagens de versos novos no instagram ou mostrava para pessoas mais próximas, e só quis publicar o livro quando me senti menos insegura (demorou). Pula para 2023, meu livro foi lançado em maio e tive um retorno muito caloroso da minha família e amigos num primeiro momento. Como novata, estou aprendendo os tempos do livro e me surpreendendo com o seu alcance. Gosto muito de como as leituras podem ser variadas, aprendo com cada comentário que me mandam e com as resenhas, me emociono. Adoro quando me mandam mensagens: até agora foram todas positivas. Veremos!

6. A obra possui uma divisão específica em capítulos que leva o leitor a uma abordagem metodológica em relação ao porvir, por que optou por não usar um sumário em sua obra?

Originalmente, no processo de organização do livro, quando criei as quatro partes, também criei um sumário, mas não entrou na diagramação.

7. Qual sua relação com a poesia? Por que decidiu escrever uma obra poética?

Gosto muito de contar essa história, meu contato diário com a literatura e o cancioneiro popular começou desde muito criança, eu acho que é o caso de muitos brasileiros, somos muito musicais. Digo isso porque eu acho que as rimas e as métricas da canção e como e onde ela nos toca, tudo isso foi muito importante na minha formação de poeta. Eu gostava das aulas de redação na escola, nunca abandonei a leitura, mas no mercado de trabalho só escrevia textos técnicos, e-mails e memorandos. Eu acho que meus poemas, que brotavam diariamente, surgiram num primeiro momento de uma necessidade de expressão, talvez de uma crise precoce de meia idade e de identidade, na minha condição de estrangeira morando em Genebra. Genebra é uma cidade internacional onde a gente anda de ônibus e ouve cinco ou seis línguas facilmente, é algo fascinante. Eu tinha perdido um pouco o contato com o que estava acontecendo na cena musical brasileira contemporânea antes de descobrir o programa Som a Pino da Roberta Martinelli, quem gentilmente topou assinar a quarta capa do meu livro. E quis muito que fosse assim por ela ter sido o cupido. A Roberta faz um trabalho muito lindo, ela mantém um espaço importantíssimo para artistas fora do mainstream e para nós ouvintes e amantes da música. Eu jamais tomaria conhecimento, morando longe do Brasil, de tanto repertório. Então foi mesmo um marco importante, foi quando eu passei a frequentar shows de música e voltei a escrever cada vez mais, até que decidi me matricular no curso de poesia da Universidade de Oxford. Nessa época, ainda não havia cursos à distância em língua portuguesa, muito menos de poesia.

8. Todo seu manuscrito nos leva para reflexões diárias e algumas até passageiras, qual a relação do seu emocional no ato da escrita com o resultado final da obra?

Alguns poemas que compõem o Escova de Dentes passaram por diferentes fases. Acho que sim, o emocional está presente até nesse inventar. Eu já chorei e já ri com meus próprios poemas, e ainda acontece. No início, ousava mais e era mais ingênua, e fui amadurecendo a escrita com leituras e reescrita. Nessa persistência, que durou dois anos, eu acho que consegui tirar o eu da poesia. Nos cursos discutimos a questão do distanciamento necessário para que o poema não seja sobre ou para mim mesma. Aprendi diferentes técnicas, mas não gosto de formas predefinidas e regras na hora da criação, tenho a impressão que o consciente é para reescrever, a criatividade e a loucura para criar precisam de outros recursos mentais ligados à espontaneidade e ao inconsciente, e por que não, à emoção.

9. Qual conselho daria para quem está começando seu primeiro livro?

Eu acho que participar de saraus, bate-papos de literatura, clubes do livro, cursos e oficinas, e enviar poemas para revistas e blogs independentes de literatura são excelentes oportunidades para mostrar nosso trabalho e ao mesmo tempo conhecer outros poetas e leitores de poesia. Eu uso as redes sociais e acho que funciona para ganhar seguidores e também conhecer o trabalho de outros poetas, às vezes acontece toda uma troca de dicas e de belezas. Ou seja, tirar os poemas da gaveta, revisá-los e organizá-los, circular sem medo de se expor, é um bom começo para depois publicar. Já com o manuscrito organizado, eu recomendaria fazer uma leitura beta ou crítica como parte do processo de revisão e finalização antes de mandar para as editoras. 

10. Quais são seus projetos para seus próximos livros, o que podemos esperar por aí?

Ainda não tenho projeto de livro, mas continuo escrevendo. Em maio sucumbi às tais newsletters e criei o “Poetim Frívolos Trejeitos”, um boletim poético de notícias do momento, é meu flerte com a prosa, que na verdade é um desejo de prosear com leitores. Estou começando, e aqui fica o convite para quem quiser acompanhar (vou adorar): https://crisoliveira.substack.com. Tem até uma carta pra Clarice Lispector. Além disso, meus planos até o final do ano são curtir a publicação do “Escova de dentes” e me dedicar ao estudo e prática de tradução literária.

[RESENHA #584] Cabistezas, causos do arraial, de Meri Damaceno



APRESENTAÇÃO

"Cabistezas — causos do Arraial” é obra de referência quando se pensa em resgate da memória de Arraial do Cabo. Sua primeira edição, publicada após 20 anos, nasceu de cuidadosa pesquisa empreendida pela memorialista Meri Damaceno, que passou meses à procura das histórias, lendas, personagens, linguajar típico e particularidades presentes no imaginário coletivo da cidade, outrora pequena vila de pescadores da Região dos Lagos e emancipada de Cabo Frio desde 1985. Agora o livro ganha novas cores, formas e traçados nesta reedição assinada pela Sophia, dentro da linha editorial "História, memória e patrimônio". Se constam nele registros sempre temperados com bom humor sobre bruxas, lobisomens e procissões fantasmagóricas — além de histórias sobre figuras impagáveis como Come-brasas, Fernandinho, Bôco, Bau e Tái, entre muitos outros —, é porque, parafraseando o personagem Chicó, de Ariano Suassuna, “só se sabe que foi assim”. “Cabistezas”, mais que livro, é um documento, certidão de nascimento, registro de identidade — um álbum de família de uma cidade inteira. 

Conta o pesquisador Leandro Miranda, no prefácio: "Quando li o 'Cabistezas' pela primeira vez, fiquei fascinado ao encontrar histórias e causos sobre o Cabo antigo, que vinham se perdendo ao longo do tempo. Eles foram resgatados com maestria por Meri, em um trabalho fantástico de pesquisa e entrevistas com os antigos cabistas. É importante lembrar que suas buscas foram feitas em uma época em que não havia as facilidades da internet, o que valoriza ainda mais  seu trabalho de memorialista. Ela saía com seu gravador de fita K7 atrás de rendeiras, pescadores e figuras históricas do nosso Arraial, sempre atrás de um bom causo. Assim foi construindo 'Cabistezas', como uma rendeira hábil e paciente vai trançando seus bilros."


RESENHA

Cabistezas é um livro de contos e memórias de causos da cidade de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, escrito pela escritora e memorialista local Meri Damaceno, o livro foi publicado através da editora Sophia em uma reedição primorosa com novas cores, design e diagramação que separam de forma majestosa a divisão dos fatos, sendo eles:

1. Povo Cabista e suas histórias famosas;

2. Depoimentos;

3. Escreveram sobre o Arraial;

4. Curiosidades Cabistas;

5. Poesias e canções Cabistas;

6. Onde há redes há rendas;


Arraial do cabo é conhecida pelo Brasil todo por suas histórias, lendas locais, além da beleza exuberante de sua cidade. Nesta obra, Meri debruça-se à narrar os mais variados fatos e histórias que percorrem os anos da cidade, todos repletos de muita mitologia local e/o acontecimentos reais que marcaram e marcam os locais e os visitantes que buscam desbravar suas terras.

O livro se inicia com a história conhecida de um morador local chamado Quinca Félix, mais conhecido como Tenente come-brasa, tropeiro local encarregado de levar peixe salgado para as cidades da região. Em dado momento, tenente come brasa, embriagou-se e decidiu se passar por outra pessoa, enviando um telegrama à sua família narrando sua própria morte (que coisa, não?), porém, seus burrinhos acabaram levando seu corpo novamente para porta de sua casa. Esse causou ficou tão conhecido que tornou-se um poema local:

E todos prestem atenção na morte de come brasa, quando veio o telegrama direto para a sua casa, a prantinha foi tão grande, o povo não perdeu vaza, as mulheres rezando pela alma de come brasa [...] (p.36).

Todas as histórias, ou quase todas, são carregadas de simbolismo e humor, a grande maioria narra acontecimentos verídicos locais, como a história o peru de Félix (p.89). Félix era recém chegado na cidade, como não dominava a arte da pesca, Félix decidiu abrir um comércio, onde a grande maioria de seus compradores, comprava apenas fiado. As dividas eram contabilizadas utilizando grãos de milho em uma garrafa de vidro, para que assim, pudesse controlar os haveres à serem cobrados da população devedora. Certa vez, reuniu três vidros de milho e foi cobrar de um de seus maiores devedores, Jejo, que acabou por aniquilar sua dívida, quando decidiu jogar todo o milho para as galinhas, para assim, não realizar o pagamento de suas dívidas.

Félix ficou conhecido por ter levado este calote, e de alguns gringos que apareceram prometendo pagar grande quantia, porém, ao levarem o peru, o pagamento ficou pendente, e ele nunca mais viu os gringos, nem mesmo o peru.

Algumas histórias fazem parte da constituição geral da cidade, ficando marcadas pelos mais variados motivos, como por exemplo, a história do alfaiate (p.100), que era um senhor chamado Amaro, que tinha uma alfaiataria, porém, jamais conseguira vender uma peça sequer, o que lhe causou grande raiva, fazendo-o se livrar de todos seus manequins, jogando-os no mar. Alguns pescadores encontraram as nuances dos manequins no mar e pensaram ser grandes peixes. A notícia se espalhou rapidamente, causando grande alvoroço entre os pescadores que saíram em busca dos tais peixes, que jamais foram encontrados, apenas os manequins. A história não conta, mas possivelmente, devem ter causado grandes momentos cômicos locais.

A obra também desdobra-se em descrever lendas locais, algumas, extremamente chocantes que mal podemos imaginar acontecendo de forma real e palpável, como ocorre com a lenda o bicho-mamãe (p106), que narra um episódio de um filho que decidiu amarrar sua égua horas antes de ir para um baile, porém, ao notar a sede do animal, a mãe decidiu soltar o bicho, que desapareceu, causando grande raiva no filho, que decidiu usar sua mãe como égua para chegar até a festa, usando esporas em sua mãe montando em suas costas. A mãe, obviamente, faleceu com o ocorrido e amaldiçoou o filho, que como resultado, torna-se diariamente, sem descanso, um animal à correr pelas noites sem descanso, ora cachorro, ora cabra, ora qualquer coisa do tipo.

Há de se mencionar também a lenda dos porcos fantasmas (p.117), onde o povo conta que Walter, um homem que voltava à cavalo pela praia, deparou-se com porcos correndo ao seu encontro, sem conseguir correr muito, decidiu jogar uma faca ao chão, e os porcos desapareceram na hora, ele então desmaiou e acabou sendo encontrado no dia seguinte por pescadores locais.

O livro de Meri Damaceno é uma daquelas obras que figura-se como indispensável para compreensão da história local, daqueles dignos de se tornarem essenciais e indispensáveis como um monumento à se ser preservado. O livro é carregado de bom humor e histórias intrigantes acerca de histórias contadas por moradores locais, todas bastante difundidas e cercada de mistérios. A reedição da editora Sophia enalteceu esta obra ainda mais rica em detalhes e descrições. Um livro para se ler em uma única sentada.

[RESENHA #583] O populismo reacionário, de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro


APRESENTAÇÃO

A Editora Contracorrente tem a satisfação de anunciar a publicação do livro O populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo, dos pesquisadores e professores Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro.

Em análise aguda do contexto político nacional contemporâneo – sem, contudo, desconsiderar o cenário internacional –, a obra empreende uma verdadeira radiografia do populismo radical de direita do governo bolsonarista.

Este pode ser caracterizado por uma “ideia reacionária de restauração da ordem” anterior ao processo de redemocratização do país; pela presença massiva de militares na Administração; pela adesão ao negacionismo e a discursos baseados “na linguagem dos afetos ou nas paixões”; pela promoção de vantagens entre familiares; pela conversão de valores reacionários “em termos de políticas públicas”; e pela identificação do presidente Bolsonaro como representante autêntico do culto à família e às tradições do povo brasileiro.

Nesse contexto de inversões e delírios, o próprio Estado de Direito “é reduzido retoricamente pelo populista radical a um simples ardil, por meio do qual uma minoria – o establishment – burla ou viola a democracia em detrimento da vontade do povo, para perpetuar um sistema injusto, porque explorador ou corrompido”.

Nas contundentes palavras dos autores: “enquanto os senhores de engenho levantavam igrejas e protegeriam o povo, viris ‘bandeirantes’ chefiavam milícias de mestiços em expedições pelo sertão adentro para apresar indígenas e buscar riquezas naturais, extraindo da exuberante natureza o máximo que podiam, sem a presença incômoda de um Estado que, de resto, não existia. Daí a atração de Bolsonaro por tudo aquilo que a sociedade brasileira herdou de pior da colonização: o culto da morte e da violência, o autoritarismo, a exploração predatória da natureza, anti-intelectualismo, o personalismo, o patrimonialismo etc. Emissário da vontade providencial do povo, ele acreditava ter chegado ao poder para restaurar a velha e boa ordem, identificada imediatamente com o regime militar”.

RESENHA

Lynch, Christian O populismo reacionário : ascensão e legado do bolsonarismo / Christian Lynch & Paulo Henrique Cassimiro. -- São Paulo, SP : Editora Contracorrente, 2022.

Nesta obra, os autores realizaram uma análise do contexto político nacional sob a figura e modos de governo de Jair Messias Bolsonaro, levando em consideração também o cenário internacional, que se problematizou e encontrou-se limitado com as demandas do governo da extrema direita no Brasil, o que emprobeceu o cenário brasileiro e enfraqueceu as relações internacionais entre os países em solo nacional. O livro oferece uma radiografia completa do populismo radical de direita presente no governo bolsonarista e os reflexos advindos da tomada de decisões do ex-presidente da república e seus seguidores fieis, que travaram entraves poderosos contra a democracia, liberdade de expressão e dentre outros preceitos arraigados na ignorância e ausência de sensatez.

O populismo reacionário pode ser caracterizado pela busca de restaurar uma ordem anterior ao processo de redemocratização do país, pela presença maciça de militares na Administração, pela adesão ao negacionismo e à retórica baseada nas emoções, pela promoção de benefícios entre familiares, pela conversão de valores reacionários em políticas públicas e pela identificação do presidente Bolsonaro como um autêntico representante do culto à família e às tradições brasileiras, que fomenta uma exclusão de minorias e de outros grupos minoritários que se beneficiam de leis que ordenam o fomento histórico e cultural brasileiro, assim sendo,  o populismo tornou-se uma problemática latente que tornou-se um impedimento histórico durante os períodos de governança do presidente da extrema direita.

Nesse contexto de inversões democráticas,, o próprio Estado de Direito é reduzido retoricamente pelo populista radical a um simples ardil, utilizado pela minoria - o establishment - para burlar ou violar a democracia em detrimento da vontade do povo, a fim de perpetuar um sistema injusto que é considerado explorador ou corrompido. O sistema bolsonarista atacou a ordem social por meio do poder estadual, elevando assim, as taxas que problematizam a vida cotidiana e social no Brasil. O que se pode notar é a crescente onda de apoiadores da extrema direita, que arraigaram suas desculpas em trechos mal interpretados da constituição brasileira, bem como nos discursos repletos da ausência de ponderamento, sensatez e conhecimento de causa de seu representante, Jair Bolsonaro.

Conforme apontado pelos autores, "enquanto os senhores de engenho construíam igrejas e protegiam o povo, os 'bandeirantes' viris lideravam milícias de mestiços em expedições pelo sertão, capturando indígenas e buscando riquezas naturais, explorando ao máximo a exuberante natureza, sem a incômoda presença de um Estado que, aliás, não existia. É nessa herança colonial que reside a atração de Bolsonaro por elementos negativos, como o culto à morte e à violência, o autoritarismo, a exploração predatória da natureza, o anti-intelectualismo, o personalismo, o patrimonialismo, entre outros. Ele se considera o mensageiro da vontade providencial do povo e acredita ter chegado ao poder para restaurar a antiga e boa ordem, que é imediatamente identificada com o regime militar".

O populismo é a manifestação contemporânea daquilo que o historiador e cientista político francês Pierre Rosanvallon chama de “representação encarnação”:

Trata-se, para o populista, de fabricar uma imagem do povo representado como um corpo homogêneo e com uma vontade única, que só pode existir por meio de um único representante que sintetize seus valores.

A análise dos autores permeia-se em meio da crise democrática, que intensificou-se com o impacto da globalização e da crise econômica. Os debates acerca da agenda democrática à época eram problemáticos em todos os sentidos, se levamos em consideração à observância dos fatos durante o regime imposto pelo ex-presidente da república. A história não mente, o governo Bolsonaro instaurou o real sentido da mentira e da falácia por meio de seu pleito eleitoral, bem como suas nuances que trabalharam de forma contínua em desacreditar da eficácia das vacinas, das urnas eletrônicas, da identidade de gênero e de outros discursos corroborados com insensatez e ignorância já demonstradas pelo governo Bolsonaro.

Os autores usaram suas vozes para mostrar ao público leitor que houve, por muito tempo, a crença da desacretização popular em um sistema de melhora, pautado na irracionalidade de um governador, fomentado por um pleito eleitoral bem articulado e desenvolvido por seguidores fieis do ex-presidente. Uma obra prima que merece destaque e leitura por todos, para que nada volte à repetir-se.

[RESENHA #582] Mulheres que interpretam o Brasil, org Lincoln Secco, Marcos Silva & Olga Brites

 

APRESENTAÇÃO

Assinada por uma constelação de consagrados estudiosos das ciências humanas, esta importante e necessária obra dedica cada um de seus 45 artigos a grandes mulheres brasileiras cujas trajetórias pessoal e profissional impactaram enormemente a história do país, mas que, quase sempre, tiveram seus feitos obscurecidos e suas vozes silenciadas pela história oficial – branca, masculina, patriarcal e burguesa.

Dessa forma, este livro, ao contrário das antologias do tipo “interpretação do Brasil”, que costumam ser restritivas em relação ao gênero, resgata algumas das contribuições femininas (nas mais diversas áreas) à incessante tarefa de interpretar o país e o mundo a fim transformá-los, a despeito de todas as inúmeras e difíceis barreiras impostas às mulheres.

Nas palavras dos organizadores da obra, “as interpretações do Brasil não se resumem à forma tradicional do ensaio ou da tese acadêmica. Há uma pluralidade de formas que serviram a outras leituras de nossa história. Elas impactaram a sociedade por meio das artes, cultura, atividade política e religiosidade tanto quanto os chamados clássicos do pensamento brasileiro, quase sempre restritos ao mundo masculino e das classes dominantes. Por isso, buscamos resgatar as mulheres que pensaram a realidade do país também a partir de sua diversidade social, fosse na Administração Pública, no teatro, na favela, nas religiões ou na universidade”, mulheres sem as quais, “qualquer História do Brasil seria simplesmente falsa”.

RESENHA


Mulheres que interpretam o Brasil / organização Lincoln Secco, Marcos Silva, Olga Brites. -- São Paulo: Editora Contracorrente, 2023. ISBN 978-65-5396-092-3

A obra mulheres que interpretam o Brasil é uma miscelânea de artigos de cunho acadêmico informativo acerca da contribuição de grandes mulheres para a construção do Brasil como o qual conhecemos. A obra é uma forma de demonstrar em rigor teórico e documentativo às inúmeras contribuições efetivadas pelas mulheres em diferentes áreas, períodos históricos e momentos. Todas as narrativas descrevem as dificuldades impostas pelo patriarcado, que, por muito tempo regulou a participação da mulher na sociedade, inibindo assim, sua participação direta e suas contribuições para o mundo moderno da cultura, sempre com histórias carregadas de preconceitos que excluíam toda e qualquer participação pública ativa e efetiva das mulheres nos quadros de diligência pública, o que claro, fomentou a busca pelo direito e reconhecimento de ser protagonista social, não agindo assim, como um mero personagem com participações diminutas, mas como alguém que desenvolveu e teceu práticas necessárias para o desenvolvimento da cultura e das artes como conhecemos hoje.

O livro aborda de forma clara e concisa a história e as trajetórias tomadas por grandes mulheres que enfrentaram dificuldades em seus períodos para se estabelecerem nos mais variados campos, não importa em qual ano, existia de forma palpável o impedimento de suas ações de forma concreta. Algumas mulheres encontraram-se sem saída pelo fato de serem atravessadas pela ausência de oportunidades e o analfabetismo na busca por melhoras de vida e no meio ao qual estavam inseridas, sendo atingidas diretamente por regulamentações historicamente machistas e construídas por homens. O Brasil como conhecemos não seria o que é sem a contribuição de grandes mulheres, que, historicamente delinearam caminhos que hoje podem ser construídos por tantos e tantas pessoas que buscam um desenvolvimento participativo social de maior relevância, não sendo mais ligados ao matrimônio ou ao lar como ferramenta de fomento para barragem de atividades.

O livro não fala com exclusividade de mulheres que contribuíram com trabalhos, mas também com suas histórias de luta e garra pelo desenvolvimento de suas metas por meio do poder da ação, mesmo em períodos, que, impediam de forma clara e traçada as mulheres que eram proibidas de produzir ou fomentar em participações de criações de livros, peças, música ou em carreiras de grandes renomes e/ou destaques públicos, inclusive, citando o fato de que a primeira mulher só conseguiu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras em 1977, 50 anos após a criação.

Dentre as mulheres citadas na obra, podemos mencionar: Alice Piffer, Ana Maria Machado, Ana Montenegro, Cecília Meireles, Inezita Barroso, Heleieth Saffioti, Mailde Pinto Galvão, Emília Viotti, Eneida Vilas Boas, Gilda de Melo, Déa Ribeiro, Clarice Lispector, dentre tantas outras.


Dentre as histórias mencionadas, destacamos:

Clarice Lispector

Clarice Lispector, uma das mais renomadas escritoras brasileiras do século XX, enfrentou diversas dificuldades ao longo de sua vida e carreira no Brasil. Nascida na Ucrânia em 1920, ela emigrou para o Brasil com sua família quando tinha apenas um ano de idade, fugindo da perseguição aos judeus durante a Revolução Russa. Essa experiência de imigração marcou profundamente sua identidade e influenciou sua escrita.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas por Clarice Lispector foi a língua portuguesa. Como ela não falava português quando chegou ao Brasil, teve que aprender a língua desde o início. Essa barreira linguística pode ter sido um desafio para expressar-se plenamente em suas obras, mas também pode ter contribuído para sua escrita única e inovadora, repleta de experimentações linguísticas e jogos de palavras.

Outra dificuldade enfrentada por Lispector foi o machismo e o conservadorismo presentes na sociedade brasileira da época. Como mulher, ela teve que lutar para ser reconhecida como uma escritora séria e talentosa, em um contexto em que as mulheres eram muitas vezes marginalizadas e suas vozes minimizadas. No entanto, ela persistiu em sua carreira literária e se tornou uma das mais importantes vozes femininas da literatura brasileira.

Lispector também contribuiu para a valorização da literatura feminina no Brasil. Suas personagens femininas são complexas e multifacetadas, explorando questões de gênero, sexualidade e maternidade de maneira inovadora. Sua escrita sensível e poderosa inspirou e continua a inspirar muitas escritoras brasileiras, abrindo espaço para a expressão de vozes femininas na literatura nacional.

Ana Maria Machado

Ana Maria Machado é uma escritora brasileira renomada, conhecida por suas obras voltadas para o público infantil e juvenil. Ao longo de sua vida e carreira no Brasil, ela enfrentou algumas dificuldades, assim como teve uma influência significativa e importância nacional com suas contribuições.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas por Ana Maria Machado foi a falta de reconhecimento e valorização da literatura infantil no Brasil. Em um país onde a literatura adulta sempre foi mais prestigiada, ela teve que lutar para que suas obras voltadas para crianças e jovens fossem levadas a sério. No entanto, ela persistiu em sua dedicação à literatura infantil, acreditando na importância de proporcionar leitura de qualidade para as novas gerações.

Além disso, Ana Maria Machado também enfrentou desafios em relação à temática de suas obras. Muitas vezes, suas histórias abordam questões sociais, políticas e culturais, o que nem sempre foi bem recebido por certos setores da sociedade brasileira mais conservadora. No entanto, ela continuou a escrever sobre temas relevantes e atuais, contribuindo para uma literatura infantil que estimula a reflexão e a consciência social.

Apesar das dificuldades, a influência e a importância de Ana Maria Machado no Brasil são indiscutíveis. Sua escrita cativante e envolvente conquistou milhões de leitores, tanto jovens como adultos. Ela foi a primeira escritora brasileira a receber o Prêmio Hans Christian Andersen, um dos mais prestigiosos prêmios internacionais da literatura infantil. Esse reconhecimento elevou sua visibilidade e trouxe destaque para a literatura infantil brasileira.

Ana Maria Machado também foi uma das fundadoras da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) no Brasil, uma organização que promove a leitura e a literatura infantil no país. Seu trabalho na FNLIJ e seu engajamento em projetos de incentivo à leitura contribuíram para a disseminação da importância da literatura infantil na formação das crianças e jovens brasileiros.

Inezita Barroso

Inezita Barroso foi uma importante cantora, instrumentista, atriz e folclorista brasileira, conhecida por seu trabalho na preservação e divulgação da cultura popular brasileira. Ao longo de sua vida e carreira, ela enfrentou algumas dificuldades, mas também teve uma influência significativa e importância nacional com suas contribuições.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas por Inezita Barroso foi o preconceito e a desvalorização da música tradicional brasileira, especialmente a música caipira. Em uma época em que a música estrangeira, como a música popular internacional, era mais valorizada e difundida no Brasil, ela teve que lutar para que a música caipira e outras manifestações culturais do país fossem reconhecidas e apreciadas.

Além disso, Inezita Barroso enfrentou resistência e preconceito por ser mulher em um meio predominantemente masculino. Ela foi uma das primeiras mulheres a se destacar como intérprete e pesquisadora da música folclórica brasileira, o que a colocou em uma posição desafiadora em uma sociedade que muitas vezes limitava o papel das mulheres na música e na cultura.

Algo que podemos notar na história de todas as mulheres que interpretaram o Brasil como sendo verdadeiramente rico em cultura, todas elas encontram-se com a face da ausência de oportunidade, suas carreiras ficaram estagnadas por um bom tempo até a concretização por meio de muita luta com o machismo e com a produção cultural masculina em seus respectivos tempos. Salientamos que a luta feminina difundiu-se em todas as áreas existentes disponíveis dotadas de alguma relevância, todas repletas de nuances predominantemente masculinas, sendo um forte entrave para concretização de suas produções artísticas em terra nacional.

A obra publicada pela Editora Contracorrente é de extrema importância e relevância acadêmica e social, uma vez que sua publicação fomentou e abriu espaço para debates acerca da relevância histórica da participação feminina nos mais variados campos. Uma obra magistral e repleta de simbolismos que devem ser encarados como arbitrariamente concernentes à nossa realidade, uma vez que as entraves burocráticas do reconhecimento permanecem firmes, necessitando de ajustes e fomentos que travam a participação pública das mulheres no seio estrutural da sociedade.

O livro pode ser adquirido através do site da editora contracorrente por R$91,00, em sites de varejo online ou em plataformas como Amazon.

[RESENHA #580] Antologia Pessoal, de Dalton Trevisan

A Antologia Pessoal de Dalton Trevisan, com prefácio do crítico Augusto Massi, reúne uma seleção de 94 contos do autor, proporcionando aos leitores tanto uma introdução à sua obra quanto um inventário de suas melhores histórias. Trevisan, dedicado inteiramente à literatura e um mestre da privacidade, é um dos autores mais prolíficos da literatura brasileira contemporânea, mantendo sua força criativa experimental, expressiva e transformadora ao longo das décadas.

Nesta abrangente e representativa antologia, o autorretrato de Trevisan abrange desde contos de "Novelas nada exemplares" (1959) até "O beijo na nuca" (2014), revelando suas referências literárias, as diferentes formas narrativas que adotou ao longo de sua carreira e o bazar poético de suas frases e aforismos, nas palavras de Augusto Massi. A Antologia Pessoal destaca a longevidade e a contemporaneidade da obra de Dalton Trevisan, reafirmando sua inquestionável potência como um dos mais importantes contistas da literatura brasileira.

Dalton Trevisan, nascido em 1925 em Curitiba, é um dos mais renomados escritores brasileiros contemporâneos. Conhecido como "o vampiro de Curitiba", Trevisan é reconhecido por sua escrita sombria, densa e provocativa, que explora os aspectos mais obscuros da condição humana, e nesta antologia, não foi diferente. A edição especial em capa dura publicada pela editora record conta com 94 contos selecionados, com novo trabalho gráfico e com uma revisão e diagramação impecável.


Dos contos presentes na obra, podemos destacar três que casam-se muito bem com as habilidades do escritor, sendo: quem matou caju? (p.289); a visita (p.343); Garota de programa (p.393) e Mulher em chamas (p.167).

Quem matou caju foi publicado originalmente em sua coletânea de contos intitulada "Cemitério de Elefantes" (1964), o conto aborda temas como violência, marginalidade e culpa.No conto, o narrador é um homem que assume a identidade de Caju, um criminoso que foi assassinado. O narrador conta sua história e narra os eventos que levaram à morte de Caju, revelando detalhes perturbadores sobre a vida do protagonista e os crimes que ele cometeu. O conto é marcado por uma atmosfera sombria e uma narrativa concisa e cortante, características típicas da escrita de Dalton Trevisan.

O conto a visita, foi publicado originalmente em sua coletânea de contos intitulada "Desgracida" (1995), o conto aborda temas como solidão, memória e o peso do passado.No conto, acompanhamos um narrador solitário e idoso que recebe a visita de uma mulher desconhecida em sua casa. A visita traz à tona memórias e sentimentos há muito tempo guardados, despertando uma mistura de nostalgia, tristeza e desespero. O narrador relembra momentos de sua juventude, relacionamentos perdidos e a inevitabilidade do envelhecimento.

Já o conto, mulher em chamas, foi publicado originalmente em sua coletânea de contos intitulada "O Vampiro de Curitiba" (1965), o conto aborda temas como desejo, paixão e a complexidade das relações humanas. No conto, somos apresentados a uma mulher que se encontra em um estado emocional intenso, vivendo uma paixão avassaladora. Ela está envolvida em um relacionamento clandestino e proibido, alimentado pelo desejo e pela intensidade das emoções. A narrativa nos leva a um mergulho profundo na mente da protagonista, revelando suas inseguranças, anseios e a luta interna entre a razão e a paixão.

A obra pode ser adquirira no site do Grupo Editorial Record por R$99,90 ou na versão em e-book no site da Amazon, por R$49,90


O AUTOR

Dalton Trevisan, cujo nome verdadeiro é Dalton Jérson Trevisan, nasceu em Curitiba, Brasil, em 1925. Ele é um escritor renomado e um dos mais importantes contistas da literatura brasileira contemporânea.

Trevisan é conhecido por sua escrita concisa e cortante, explorando temas como solidão, violência, marginalidade e a complexidade da natureza humana. Sua obra é marcada por uma abordagem realista e provocativa, revelando as contradições e os aspectos mais sombrios da sociedade.

Ele foi influenciado por autores como Edgar Allan Poe e Dostoiévski, e sua escrita é caracterizada por um estilo único, com frases curtas e uma linguagem precisa e impactante. Trevisan é mestre na criação de atmosferas sombrias e personagens complexos, mergulhando o leitor em narrativas densas e perturbadoras.

Ao longo de sua carreira, Dalton Trevisan recebeu inúmeros prêmios e reconhecimentos, incluindo o Prêmio Camões, um dos mais prestigiosos prêmios literários da língua portuguesa, em 2012. Sua vasta produção literária inclui coletâneas de contos como "Novelas nada exemplares", "Desgracida" e "O Vampiro de Curitiba", entre outras.

Dalton Trevisan é conhecido por sua privacidade e reclusão, raramente concedendo entrevistas ou participando de eventos literários. Sua dedicação à literatura e seu impacto na cena literária brasileira são inquestionáveis, tornando-o uma figura icônica na literatura contemporânea.

A roda do tempo, de Robert Jordan: conheça o enredo e os personagens da série

A série de livros "A Roda do Tempo", escrita por Robert Jordan, é uma das sagas de fantasia mais populares e aclamadas de todos os tempos. Composta por 14 livros, a obra apresenta um mundo vasto e complexo, repleto de personagens cativantes e tramas intrincadas.

A história se passa em um universo onde a Roda do Tempo tece o destino de todas as coisas. A trama principal gira em torno de três jovens protagonistas: Rand al'Thor, Matrim Cauthon e Perrin Aybara. Esses três personagens são arrastados para uma jornada épica para enfrentar as forças do mal e desvendar os segredos da profecia que os envolvem.

Além dos protagonistas, a série apresenta uma ampla gama de personagens secundários igualmente interessantes e bem apresentados. Desde Aes Sedai, mulheres poderosas que dominam a magia, até guerreiras destemidas e líderes políticas, cada personagem contribui para a riqueza da narrativa.

Em relação ao foco narrativo, a história é contada de forma multi-perspectiva, alternando entre diferentes personagens ao longo dos livros. Isso permite que o leitor tenha uma visão abrangente do mundo e das diferentes tramas que se desenrolam.

"A Roda do Tempo" foi muito bem recebida pelo público e pela crítica. A saga ganhou uma base de fãs dedicados e apaixonados, que apreciam a complexidade do mundo criado por Jordan, assim como a profundidade e evolução dos personagens ao longo da história. A série também foi elogiada por sua escrita envolvente e pela construção detalhada do mundo.

Em relação ao seriado baseado nos livros, uma adaptação televisiva foi lançada em 2021. A série, produzida pela Amazon Prime Video, tem como objetivo trazer a rica história de "A Roda do Tempo" para a tela pequena. Com um elenco talentoso e uma produção de alta qualidade, a expectativa é que o seriado conquiste tanto os fãs dos livros quanto novos espectadores.

Em suma, "A Roda do Tempo" é uma série de livros que cativou milhões de leitores ao redor do mundo. Com personagens memoráveis, uma trama envolvente e um mundo ricamente construído, a saga de Robert Jordan continua a ser uma das referências do gênero de fantasia. A adaptação para a televisão apenas solidifica o legado dessa obra impactante e duradoura.


A série de livros "A Roda do Tempo" é composta por 14 volumes. Aqui está a ordem correta dos livros:

1. "O Olho do Mundo"

2. "A Grande Caçada"

3. "O Dragão Renascido"

4. "A Ascensão da Sombra" ("The Shadow Rising")

5. "As Chamas do Paraíso" ("The Fires of Heaven")

6. "Senhor do Caos" ("Senhor do Caos")

7. "Coroa de Espadas" ("A Crown of Swords")

8. "O Caminho do Escudo" ("The Path of Daggers")

9. "O Coração do Inverno"

10. "A Cruzada dos Mundos" ("Crossroads of Twilight")

11. "A Faca dos Sonhos" ("Faca dos Sonhos")

12. "A Memória da Luz" ("The Gathering Storm") - escrito por Brandon Sanderson em colaboração com Robert Jordan

13. "Torres de Meia-Noite" ("Towers of Midnight") - escrito por Brandon Sanderson em colaboração com Robert Jordan

14. "Um Céu em Chamas" ("A Memory of Light") - escrito por Brandon Sanderson em colaboração com Robert Jordan

É importante ler os livros em ordem, pois a história se desenvolve de forma contínua e os eventos e personagens são apresentados simultaneamente e ao longo da série. A ordem acima reflete a sequência cronológica da narrativa e garante uma compreensão completa da trama e do mundo de "A Roda do Tempo".

A Roda do Tempo apresenta uma ampla gama de personagens. Aqui estão alguns dos principais:

1. Rand al'Thor: O protagonista principal, Rand é um jovem camponês que descobre ser o Dragão Renascido, uma figura profetizada para salvar ou destruir o mundo. Ele é um canalizador masculino, possuindo uma imensa força no uso da magia.

2. Matrim Cauthon: Amigo de infância de Rand, Matrim é conhecido por sua astúcia e habilidade com armas. Ele é um jogador compulsivo e freqüentemente se envolve em situações perigosas.

3. Perrin Aybara: Outro amigo de Rand, Perrin é um ferreiro talentoso que possui uma conexão especial com os lobos. Ele se torna um líder e guerreiro poderoso, capaz de se comunicar com essas criaturas.

4. Egwene al'Vere: Amiga de infância de Rand e futura Aes Sedai, Egwene é uma personagem forte e determinada. Ela passa por um treinamento intenso para dominar a magia e se tornar um líder na luta contra as forças das trevas.

5. Nynaeve al'Meara: Outra amiga de infância de Rand, Nynaeve é ​​uma mulher obstinada e poderosa. Ela possui habilidades de cura e se torna uma Aes Sedai, lutando ao lado de seus amigos para proteger o mundo.

6. Lan Mandragoran: Um guerreiro habilidoso e líder dos Guardiões da Verdade, Lan é um próximo aliado de Moiraine e torna-se mentor de Rand.

7. Moiraine Damodred: Uma Aes Sedai poderosa, Moiraine é uma das personagens centrais da série. Ela é responsável por guiar Rand e seus amigos em sua jornada para enfrentar o mal.

Esses são apenas alguns dos personagens principais da série "A Roda do Tempo". Há muitos outros personagens secundários igualmente interessantes e importantes para a trama, cada um com sua própria história e contribuição para a narrativa.

A RODA NO TEMPO, SERIADO DO PRIMEVIDEO

A série "A Roda do Tempo", produzida pelo Prime Video, é uma adaptação dos livros homônimos de Robert Jordan. A série busca trazer à vida o rico universo e a complexa trama da obra original, e embora ainda esteja em desenvolvimento, já podemos destacar algumas informações.

Em termos de semelhanças com os livros, a série se esforça para capturar a essência dos personagens e do mundo criado por Jordan. Os protagonistas, como Rand al'Thor, Matrim Cauthon e Perrin Aybara, estão presentes e suas histórias são exploradas. Além disso, elementos icônicos do universo, como a Roda do Tempo e a luta entre a Luz e as Trevas, também são considerados.

A recepção do público em relação à série tem sido positiva até o momento. Os fãs têm elogiado a produção de alta qualidade, os efeitos visuais impressionantes e a fidelidade aos elementos-chave da obra original. A expectativa é que a série continue a conquistar os fãs dos livros e também a atrair novos espectadores para o universo de "A Roda do Tempo".

No entanto, é importante destacar que, como toda adaptação, algumas diferenças em relação aos livros são inevitáveis. Alterações podem ser feitas para melhor se adequar ao formato televisivo e para tornar a história mais acessível ao público em geral. Essas diferenças podem incluir ajustes na ordem dos eventos, simplificação de algumas tramas secundárias e aprofundamento de outras.

É fundamental lembrar que as diferenças entre a série e os livros não necessariamente significam uma perda de qualidade. Muitas vezes, as emoções têm a intenção de expandir e enriquecer o universo original, proporcionando uma experiência única para os fãs tanto dos livros quanto da série.

[RESENHA #579] Bruxaria em poesia, de Mateus Cabot



APRESENTAÇÃO

Bruxaria em poesia é um livro de poesias escrito pelo autor e jornalista Mateus Cabot, a obra é um emaranhado poético elucidativo e filosófico do autor em relação à religião wicca, ou, mas comumente conhecido, a bruxaria. A obra desmistifica tabus e receios criados por intermédio do preconceito herdado da heresia das igrejas cristãs, da inquisição e da perseguição às bruxas, tudo de forma velada e nas entrelinhas. O autor preocupou-se em desenvolver uma escrita prolífica e sensata acerca dos encantamentos, feitiços e do real significado da bruxaria em relação à natureza, aos animais e ao bem estar.

RESENHA

Bruxaria em poesia é o primeiro livro do autor e jornalista Mateus Cabot, publicado em 2022 através da Editora Ascensão. 

A obra se inicia com uma carta do autor que explicita como se deu o envolvimento com a bruxaria em sua vida. Tudo começou por volta de seus doze anos, o autor descreve a casa de sua família alegre e repleta de risos, mas que naquele dia em específico, o silêncio pairava. Havia uma caixa pesada no quarto dentro de um armário que carregava alguns títulos específicos do universo do encantamento e da feitiçaria. Mateus descreve o caminho de autodescoberta como algo jamais sentido antes, todos os primeiros contatos e todos os envolvimentos que se desenvolveram com a natureza foram cruciais para o desenvolvimento de seus conhecimentos e na busca de novas experiências com a natureza.

o primeiro poema da obra, a descoberta da primeira página, 12, é uma descrição poética do primeiro contato do autor com os livros que o inseriram no meio da magia.

sobra o pó / cavuca e encontra / vira a folha / o som ecoa / o silêncio grita / sobe pela espinha / vê o bosque / olha as copas / dançam lá acima / olha à volta /  um breu de sol [...] (p.12)

Já o segundo poema, grande mãe, é um poema dedicado à deusa mãe, a divindade primordial desde o despontar da História da Humanidade. Em todas as religiões, a figura feminina é posta com destaque pelo seu poder de prover vida e fertilidade, e aqui, não é diferente. O poema discorre sobre os sentimentos do autor em relação aos sentimentos aflorados entre ele e a Deusa Mãe, um poema lindo, simples e repleto de energia.

quando ouvi seu nome, já conhecia / o seu rosto, já via / quando dormia / e me perdia / me permitia / voar [...] (p.14)

O terceiro poema é profundo e histórico, chifres, aqui, o autor desvencilha os tabus acera do chifre e do medo que ele desperta em algumas pessoas. O medo e o desenvolvimento do medo acerca dos chifres é fruto dos tabus impostos pelas religiões, sobretudo, o cristianismo. Os chifres na bruxaria indicam a figura do deus cornífero, uma entidade que rege e guarda as matas, florestas e os animais, porém, sua simbologia foi distorcida historicamente por consta da perseguição e da intolerância da igreja com as bruxas e com o culto à deuses pagãos, o que ocasionou em sua demonização. O poema é repleto de frases que denotam o real sentido do culto, dos chifres e da presença onipresente do deus cornífero em tudo o que tocamos ou vemos, sobretudo, a vida verde e animal.

quem tem medo de chifres? / na penumbra, a silhueta / no bosque à espreita / sob a lua o uivo / e os sons da mata / latidos, arbustos, rusgos / rugidos, talvez / quem tem medo de chifres? [...] o verde das plantas / o tronco da árvore / a flor na savana e a lama / a lama e a campina branca e a mata fechada e a floresta / lá no topo eu vejo (p.15)

 poema, a brilhante, é um ensaio acerca da deusa Aine de Knockaine deusa solar, soberana da luz, da fertilidade da terra e do amor, cujo nome significava “prazer, alegria, esplendor”.

o Efêmero / o sopro, a Tentativa / o sonho / o brilho / Ela brilha / Áine, A Brilhante / da colina de Knockaine. (p.21)

O livro não é apenas um emaranhado poético, mas uma descrição histórica, filosófica e bastante rica da bruxaria no meio em que vivemos. Em seus versos, desmistificam-se tabus, medos e desinformação. Mateus trouxe uma escrita proeminente acerca da existência da poesia e do encantamento por meio da essência wicca, a feitiçaria em carne crua, o desvencilhamento dos caminhos e das óticas que percorrem o universo material por meio do imaterial e do aguço dos sentidos. Um livro para se ler mais de uma vez, para se aprender em cada página, e sobretudo, para se sentir além.

A união entre a fé a poesia.

[RESENHA #577] Basta um, de Flora Nwapa


APRESENTAÇÃO

Amaka não consegue ter filhos. Este é o ponto de partida do quarto romance de Flora Nwapa, publicado originalmente em 1981. Basta um conta a história da protagonista Amaka em busca de uma vida independente, financeira e amorosamente. Amaka é uma mulher que procura viver o amor e sobretudo a maternidade segundo as suas próprias intenções e desejos. O livro explora uma temática de envergadura para a escrita de Nwapa: a de contar a mulher africana considerada não convencional, tendo a oralidade como forte marca textual — é Amaka quem toma as rédeas de sua narrativa, contando seus desafios e peripécias aos demais personagens do enredo e a nós.


RESENHA


Flora Nwapa é uma proeminente autora nigeriana, sua obra desdobra-se sobre as inúmeras revoluções e acontecimentos na vida de uma mulher. Sua escrita feminista, evoca sentimentos de luta e empoderamento social contra o cinismo da Nigéria da década de 1970 em relação aos tratos e perseguições sociais, políticas, econômicas e religiosas em uma sociedade altamente patriarcal. A construção de sua personagem principal, Amaka, é um grito de resistência por meio da ação feminina no campo social, a figura da mulher que busca um reconhecimento e local de fala no campo social, desafiando assim, a figura estereotipada imposta pelo machismo e pelo regime patriarcal social.

Maria Carolina Casati, abre o prefácio desta obra com reflexões profundas acerca das mudanças de conceito previamente fundadas pelo patriarcalismo de que a mulher somente adquire a felicidade por meio do casamento ou da prole, enfatizando, claro, a importância de se ater à obras que abrem espaço para um debate político e social acerca da mudança de significado e significância da atuação da mulher nos dias atuais. Casati também pontua a importância de se ler e conhecer obras que falem da mulher como um todo: como alguém que sofre, tem medos, anseios, vida e caminho próprio, não sendo desenhada ou denominada por seu poder de prover o lar e prole, atentando-se na escrita de Flora Nwapa que traz em suas páginas uma descrição de uma vida simples como de qualquer outra pessoa, mas repleta do simbolismo feminista e do poder da mulher em agir em benefício próprio contra uma esfera amplamente machista e desacreditada nos poderes e no agir da figura da mulher no campo social.

Esta não é uma obra sobre como engravidar ou ser mãe, muito menos sobre felicidade matrimonial duradoura, é um convite para um caminho alternativo à se vivenciar sentimentos e vivencias sexuais à sua maneira, livre das amarras e obrigações impostas pela sociedade, pode-se dizer que Nwapa descreve a mulher como deve ser: livre. Ainda que possuidora de uma escrita feminista que evoca a necessidade de se colocar onde se deseja estar, a escrita também nos evoca, segundo Casati, para que não nos esqueçamos de que a figura da mulher é uma construção social, embora seja evocada de maneira associal e a-historicamente.

A obra se inicia em uma conversa difícil entre Amaka, e sua sogra, ela era casada com um rapaz gentil e amoroso, Abiora, e gostaria de manter seu casamento, afinal, ela amava a ideia de ser casada, e por um motivo, havia inveja de outras mulheres em matrimônios. A conversa segue dura e difícil entre as duas, e piora com o surgimento do marido de Amaka no recinto, que logo é expulso pela mãe do cômodo, para que ambas possam prosear acerca do tópico que se mantem ausente, apenas nos é mostrado que ambas dormiram mal por refletirem em um acontecimento anterior, e Amaka gostaria de ter o perdão da sogra e obter novamente a paz em seu casamento, que está afligindo o filho naquele ponto, tudo pela impossibilidade de Amaka ter filhos.

Dentro dela havia uma fé, a fé cega de que todos os ginecologista que consultara estavam errados e que ela, no bom tempo de Deus, teria não apenas um, mas vários bebês. Esse sentimento de fé, nunca a abandonou.

Em todas as relações amorosas que teve ao longo da vida, Amaka, desconhecia a palavra prazer sexual, para ela, um homem e uma mulher só deitavam com um único propósito: procriar. Este era, talvez, o fardo que ela tanto carregou por tanto tempo, o peso de achar que estava equivocada acerca do prazer, o que aumentou seu sentimento de culpa por não conseguir engravidar. Seu estado estéril era visto com desdém por todos, sobretudo, por sua sogra que amaldiçoou a relação de Amaka com Abiora, o pedindo e suplicando para não se casar com uma mulher estéril.

Obiageli é amiga de Amaka, e ao que parece, estava sempre com a amiga, esteve principalmente ao relatar a morte de seu segundo pretendente, Isaac, o homem com quem descobrira o prazer sexual, mas que infelizmente, se foi de forma inesperada, impactando assim, os sentimentos de Amaka, que ficou desamparada.

o que o destino está fazendo comigo, Obiageli? O que foi que eu fiz?

Mulheres do lar, bem casadas, era sinônimo de respeito e representatividade cívica, por isso Amaka sempre se via pressionada em encontrar um pretendente, seus pensamentos eram arraigados naquilo o que aprendeu com a sociedade a qual estava introduzida. Um tempo depois, Amaka conhece Bob, que a seduz, porém, ainda em tempos de difícil aceitação da perda de seu amado recente, ela vai se aconselhar com sua tia que à alerta sobre o pretendente em questão, que espancava a ex mulher e abandonara o filhos junto dela, filho este que pedira para abortar, sem sucesso, é claro.

o casamento pode ajudar a criar ou a destruir alguém. Aprendi com minha pripria mãe e estou pondo em prática o que ela me ensinou. Tem funcionado para mim e pros meus filhos. Também vai funcionar para você [...] (grifos meus).

O casamento com Obiora foi bom até que os tempos mudaram, todos zombavam dele por estar sendo sustentado por uma mulher, e isso o desagradava. Amaka deu-lhe um carro e o ajudou em seu trabalho, porém, sua mãe de nada sabia e era responsável por todas as dores da protagonista. Todo cenário de desenvolve em um misto de dor e arrependimento. O casamento era bom, mas as intervenções da mãe fizeram o filho mudar com sua esposa drasticamente, e o que era aceitável, começou a se tornar um pesadelo para Amaka, as palavras de seu marido eram cada vez mais inóspitas para com ela, e ela sentia-se acuada, afinal, todo progresso familiar provinha de seu pequeno negócio, que ajudaram o casamento com o carro e alimentação da família, por um momento, seu marido era carregado de orgulho, mas estes tempos chegaram ao fim.

A narrativa de Flora Nwapa narra a vida de uma mulher sofrida inserida em um meio social repleto de cobranças acerca do próprio corpo e da forma como administrava a própria vida, ela recebia cobranças da mãe, da sogra, das amigas e dos olhares indesejados da sociedade em seu espelho de vida, e isso à deixava cada vez mais triste consigo mesma por ser independente em diversos aspectos, algo que não deveria existir. Apenas um, é um titulo alusivo à vontade da protagonista em possuir um filho, não mais do que isso, apenas o suficiente para tornar-se digna à seus próprios olhos. Toda narrativa seguinte desenvolve-se na história da personagem em seu casamento que descia cada vez mais rápido a ladeira. Descobriremos nesta narrativa repleta de reviravoltas o desabrochar de uma mulher que descobriu em si mesma o poder de mudar tudo ao seu redor, apenas se valorizando. Uma obra poeticamente bem construída com uma estética proeminente de narrativa de fatos e sucessão de acontecimentos, sem dúvidas, um bestseller em ascenção.

[RESENHA #576] Esperança sem otimismo, de Terry Eagleton

 

APRESENTAÇÃO

Em seu mais recente livro, Terry Eagleton, um dos intelectuais mais celebrados de nossa época, considera a menos considerada das virtudes. Sua instigante reflexão sobre a esperança começa com uma rejeição firme do papel do otimismo no curso da vida. Assim como seu parente próximo, o pessimismo, o otimismo é mais um sistema de racionalização do que uma lente confiável através da qual mirar a realidade, refletindo uma postura do temperamento em vez de verdadeiro discernimento. Eagleton então se volta para noção epistemologicamente mais promissora, a esperança, sondando o significado dessa palavra familiar, mas elusiva: trata-se de uma emoção? Como se diferencia do desejo? Fetichiza o futuro? Finalmente, o autor aborda o conceito de esperança trágica – talvez a única genuína forma de esperança –, em que essa velha virtude persiste mesmo após o confronto com uma perda devastadora. Em uma ampla discussão que abrange o Lear de Shakespeare, as considerações de Kierkegaard sobre o desespero humano, Tomás de Aquino, Wittgenstein, Santo Agostinho, Kant, a filosofia da história de Walter Benjamin e uma longa reflexão sobre o “filósofo de esperança” Ernst Bloch, Eagleton exibe sua magistral e altamente criativa fluência em literatura, filosofia, teologia e teoria política. Esperança sem otimismo está repleto do senso de humor e da clareza costumeiros deste escritor cuja reputação não se baseia apenas na notável originalidade de suas ideias, mas também em sua capacidade de envolver o leitor diretamente nas questões urgentes da vida.



RESENHA

EAGLETON, Terry. Esperança sem otimismo / Terry Eagleton: traduzido por Fernando Santos. - São Paulo: Editora UNESP, 2023.

Terry Eagleton é filósofo, professor e um dos maiores nomes em crítica literária no mundo. Leciona literatura na Universidade de Lancaster, onde é professor emérito, e na Universidade de Notre Dame. As obras do professor Eagleton se desdobram em tópicos de grande relevância e debates mundiais, sempre fomentado com filosofia e contribuições significativas dos mais variados campos de estudo. Nesta obra, em específico, o autor se desdobra ao desvencilhamento do pensamento da existência unilateral da esperança com o otimismo, para tal, o autor traça um paralelo entre as diferenças de cada significado real das palavras e das mudanças sofridas ao longo do ano. Como todo filósofo, a obra sustenta-se em diversas questões que vão surgindo de acordo com as descrições e explicações elaboradas pelo autor em cada tópico. Em primeira instância, o autor analisa a banalidade do otimismo nos dias atuais, logo após, a banalidade da esperança e as divergências entre seus significados e a presença dos tópicos por meio do tempo, obras e estudos de grandes figuras históricas da filosofia.

Nesta obra, Eagleton, desvencilha os indicativos de uso de sinônimo de esperança atribuídos ao otimismo, como sendo parte de um todo, onde a crença de algo fomenta-se através do pensamento otimista de que tudo ficará bem. Para ele, possuir otimismo em determinadas ocasiões é como possuir um pensamento limitado, não havendo motivos para pensar que algo dará certo pela desculpa de que somos otimistas, tornando o pensamento como sendo algo ilimitado, como acreditar que algo ficará ou se dará bem por um motivo ou outro banal, limitando o pensando, e o tornando irracional em certos pontos. Partindo deste ponto, não havendo uma significância plausível e satisfatória pelos quais as coisas vão dar certo, também não há motivo insatisfatório para crer que não dará certo, tornando assim, o otimismo algo infundado e inaceitável. O otimismo então torna-se, em tese, fruto da confiança do indivíduo em si próprio durante a tomada ou caminho de decisões, pautando-se mais sobretudo em crença, mas não em esperança.
[...] Numa espécie de astigmatismo moral, o individuo distorce a verdade para adapta-la para as suas inclinações naturais, que já tomaram todas as decisões essenciais em seu mundo. Como o pessimismo envolve, em grande medida, o mesmo tipo de capricho intelectual, os dois estados mentais tem mais em comum do que geralmente se acredita [...] (p.14) - grifos meus.

assim sendo...

otimismo e pessimismo podem ser características de visões de mundo bem como de indivíduos. (p.19)

Otimismo e pessimismo são lados de uma mesma moeda e surgiram ao mesmo tempo, um contrapondo ao outro, mas somando em diferenças e irrelevância. Ambos são determinações de crença estabelecidas pelo indivíduo para reafirmação de seu caminho por meio do exercício da crença, não sendo pautados em nenhum motivo específico sólido ou relevante, ou determinado por questões de importância, apenas por sua vontade de que algo ou alguém dará certo ou errado por motivos impostos naquele momento oportuno. O outro, pessimismo, é uma crítica fatídica e tendenciosa ao desfavorecimento de algum beneficiamento ou relevância de um ato, ação ou acontecimento, entre outras palavras, o ato de sempre enxergar o pior em cada situação específica.

Já a esperança, para o autor:

As três chamadas virtudes teologais da fé, da esperança e do amor tem cololarios deturpados. A fé corre o risco de virar credulidade, o amor, sentimentalismo e a esperança, autoengano. Na verdade, é difícil pronunciar a palavra "esperança" sem evocar a possibilidade de que ela seja adulterada, na medida em que nos lembramos instintivamente, de adjetivos como "tênue" ou "perdida". (p.58)

Ao analisarmos a fala do autor, poderemos traçar um paralelo das divergências entre o pensamento que evoca o significado real de credulidade e esperança. A esperança está ligada à fé ao sobrenatural por meio do exercício e pensamento religioso, enquanto a credulidade é uma forma simples e menos elaborada de se exercer a própria vontade por meio do exercício de crença de que algo ou alguma coisa se dará por meio do poder do acreditar, ou seja, sem uma base sólida e sustentável como propõe a esperança que se sustenta por meio da fé, porém, para o autor, tanto o otimismo quanto a esperança são vistos com maus olhos nos dias atuais, sendo a esperança nada mais que o exercício da fé de forma temerosa e melancólica:

A esperança sugere uma expectativa hesitante e meio temerosa, o mero fantasma de uma autoconfiança. (p.59).

A esperança é, se não, a prima pobre das virtudes teologais, sendo menos investigadas que a fé e o amor (p.61). E segue sua linha de raciocínio dizendo que as pessoas dotadas de fé são menos empenhadas em se obter o que se quer do que as pessoas que não possuem fé, isso talvez, se dê ao fato de que a fé é carregada pela determinância religiosa na crença de que tudo dará certo, embora seja uma saída plausível melhor que o pessimismo. (61).

Nos capítulos seguintes da obra, o autor debruça-se em analisar o otimismo e a esperança sob as visões de grandes precursores da filosofia como Bloch, Nietzsche, dentre outros. A obra é um convite para uma reflexão mais profunda acerca dos sentimentos ligados à esperança e ao otimismo, separando a divisão nada palpável existente entre seus significados, estudando de forma clara e objetiva suas características e aspectos de forma mais filosófica e objetiva. 

[RESENHA #575] Entre cinzas e areia, de Laion Okuda



APRESENTAÇÃO

Como lidar com as culpas e traumas? O quão longe ir por redenção?  Em um momento de pesar e luto, Davi tem que enfrentar o seu passado para conseguir traçar algum caminho de esperança para o seu futuro. Num deserto de cinzas e areia, ao caminhar por entre suas memórias, ele tem que conviver com seus fantasmas e aceitar suas escolhas, mas em quais pontos a ilusão se encontra com a realidade? Seria Davi um homem delirando por conta de sua abstinência, louco por sua própria culpa ou forças maiores realmente o estariam acompanhando?

RESENHA

Entre cinzas e areia é um livro de drama escrito pelo autor Laion Okuda, a obra apresenta uma série de acontecimentos dramáticos mesclados entre passado, presente e várias doses de remorso. Davi, sente-se culpado pela morte de seu irmão Levi, que era casado com Sheila, seu último desejo era participar da caminhada até à meca [cidade sagrada dos muçulmanos], não tendo seu corpo cremado como todos os outros de sua família, porém, seu último desejo acabou sendo desrespeitado pelo seu irmão, que optou por cremá-lo, criando um clima tenso entre todos de sua família que acredita que ele desrespeitou completamente a última vontade de seu irmão, que agora, morrera pelo que acredita-se ser sua culpa.

Agora, Davi precisa viajar para concretizar a última vontade de seu irmão, levando suas cinzas até a grande pedra negra, uma vez que era necessário realizar todo caminho para formalizar uma promessa feita por Levi à esposa de seu irmão, Sheila. Porém, todo o caminho é marcado por monólogos advindos de um sentimento de culpa e pela vontade de reaver toda sua família reunida como antes, livre de toda dor e sofrimento causado pela partida precoce e recente de Levi, e para isso, contará com a ajuda do tio de Sheila, Yaroff para concretizar mais este ciclo em sua vida.

O que podemos notar é que esta obra é repleta de gatilhos emocionais, inclusive, na abertura do livro o autor nos atenta para qualquer gatilho que a obra possa proporcionar, afinal, ela fala de culpa, dores, sofrimento, estupro e outros sentimentos que podem causar desconforto em alguma leitura desatenta. Davi nunca se deu bem com o pai, todas as lembranças mencionadas são de puro desafeto ou episódios de dor e sofrimento, a todo momento suas reflexões abordam sua vontade íntima de que seu pai, falecido, deveria falecer de forma miserável diversas outras vezes, não seu irmão, ele não merecia morrer tão cedo.

O caminho até meca é marcado por um sol que que penetra a pele, rasga a garganta e superaquece o corpo, Davi sente-se durante todo o percurso inseguro, não somente pelo fato do calor tomar conta de todo ambiente, mas pelo ar ser irrespirável e completamente seco com zero vegetações, passando inclusive, por tempestades de areia tenebrosas e um caminho marcado por encontros nada amistosos por pessoas que habitam o deserto.

Em determinado momento, Davi vê-se separado do grupo responsável por guiá-lo até a meca, eles adormecem durante uma tempestade de areia, e ao acordar, o calor toma conta do lugar de forma avassaladora, ele nota que está sem transporte [camelo], sem água, e sem ninguém ao redor para ajudá-lo, todos sumiram, não há nada além do sol e areia no horizonte. Seu corpo dói, seus joelhos enfraquecem, sua cabeça superaquece e as cinzas de seu irmão desaparecem. O desespero toma conta de Davi, que não imagina uma saída plausível daquele ambiente, sem qualquer recurso, assim, ele é tomado por alucinações sobre o passado, e principalmente, alucinações sobre seu irmão. Levi, surge como um guia encorajador para Devi em meio ao calor, ajudando-o à se levantar e prosseguir, neste momento, Davi começa delirar e impor opções para todo aquele acontecimento: estaria ele morto, louco ou sofrendo de alucinações severas? qual era a real explicação para tudo aquilo? Ele se dá conta que, de fato, seu irmão não poderia estar ali, ainda que muito palpável e com uma imagem bastante real, ao caminhar, ele não deixava pegadas na areia.

Todo percurso elaborado a partir dai por Davi e Levi é repleto de histórias, encontros, desencontros, uma revisitação ao passado e aprendizados. O principal aprendizado no decorrer do encontro dos dois é o fato de que jamais devemos olhar para o passado, uma forma de dizer que não devemos nos condenar ou martirizar por acontecimentos passados, evitando assim, fadigas emocionais e problemas psicológicos, que era justamente o que Davi estava passando pela morte do irmão. Uma sequência de imagens se formam na areia, no fogo e em toda paisagem ao redor dos irmãos, cada história narrada por Levi transforma-se em uma verdadeira experiência de revisitação, reflexão e aprendizado.

A história é emocionante e prende o leitor do inicio ao fim, nota-se que o autor é especialista em desenvolver grandes enredos com uma narrativa impecável que prende o leitor do começo ao fim. O choque cultural, as narrativas, histórias e encontros e desencontros aqui elaborados são infinitamente bem desenvolvidos e repleto de simbolismo, o que torna ainda mais a experiência única. 

Um livro para se ler mais de uma vez, memorável e atemporal. 

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