APRESENTAÇÃO
O historiador Luiz Antonio Simas frequenta terreiros de umbanda desde a mais tenra idade. Balizado pela história do Brasil e amparado pela própria trajetória, Simas elabora aqui um estudo inédito, original, que se propõe a contar a história do país à luz das umbandas — de tão brasileira que é, a umbanda se torna plural. Por isso, já no título deste livro a palavra não vem no singular. A diversidade do país, segundo o autor, se manifesta nas várias umbandas existentes, que se multiplicaram em histórias como a de sua avó, alagoana criada em Pernambuco e que se mudou para o Rio de Janeiro carregando consigo suas crenças e ritos.
RESENHA
O livro "Umbandas: uma história do Brasil", de Luiz Antonio Simas, propõe uma reflexão sobre as umbandas e sua profunda imbricação com a formação histórica e social do Brasil. Dividido em duas partes, a obra transita entre a "poética do encantamento" e a "política do encantamento", explorando as diversas manifestações religiosas afro-brasileiras, seus mitos, ritos e personagens, bem como os processos de cooptação, repressão e legitimação institucional dessas práticas.
Na primeira parte do livro, intitulada "Poéticas do Encantamento", Simas nos apresenta um panorama das raízes ancestrais das umbandas, remetendo-nos às santidades indígenas, aos calundus e danças de tunda, às pajelanças e catimbós, aos cultos aos orixás, caboclos e exus. Essa seção do livro destaca a riqueza e a diversidade das sabenças encantadas que se entrecruzam nas umbandas, enfatizando a noção de que esses cultos constituem um "ecossistema encantado", marcado pela interação entre o visível e o invisível, o humano e a natureza.
Ao explorar os mitos e ritos das santidades indígenas, dos calundus e das danças de tunda, Simas revela a complexidade e a dinamicidade dessas práticas religiosas, que se caracterizam pela fusão de elementos africanos, indígenas e cristãos. A figura do pajé, por exemplo, é apresentada como um xamã que atua como mediador entre o mundo material e os outros mundos espirituais, utilizando-se do poder terapêutico das plantas, do transe e da crença na existência de mundos paralelos.
Da mesma forma, o autor discorre sobre as bolsas de mandinga, os patuás e os ritos de fechamento dos corpos, evidenciando como essas tecnologias de cura e proteção incorporam saberes de diversas origens, numa constante reelaboração e adaptação às realidades locais. Nesse sentido, Simas destaca a noção de que os corpos são suportes de manifestações de encantamentos, sendo ritualmente preparados e transformados para abrigar as conexões entre o visível e o invisível.
Na segunda parte do livro, intitulada "Políticas do Encantamento", Simas aborda os processos de codificação e legitimação das umbandas, com foco no I Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, realizado em 1941. Nesse contexto, o autor analisa as disputas em torno da definição da origem e da "pureza" da umbanda, contrastando as perspectivas de uma "umbanda branca", mais próxima do espiritismo kardecista e do cristianismo, com a de uma umbanda afro-brasileira, representada pela corrente do omolokô.
Ao explorar essa tensão, Simas revela como o projeto de construção da identidade nacional, marcado pela ideologia da mestiçagem, também se fez presente no campo das umbandas. Enquanto alguns buscavam afastar as práticas afro-brasileiras, em nome de uma suposta "pureza" e "civilidade", outros, como Tancredo da Silva Pinto e a corrente do omolokô, defendiam a valorização das raízes africanas e indígenas da umbanda, contestando os esforços de desafricanização do culto.
Essa seção do livro também aborda a relação entre as umbandas e a repressão e intolerância religiosa enfrentadas pelos cultos afro-brasileiros. Simas destaca como a legislação brasileira, ao mesmo tempo em que aparentemente garantia a liberdade religiosa, criava subterfúgios legais que permitiam a perseguição aos terreiros, enquadrando suas práticas como "curandeirismo" e "perturbação da ordem pública".
Nesse contexto, o autor discorre sobre o embate entre as umbandas e as igrejas neopentecostais, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus, que têm sistematicamente atuado na destruição de terreiros e na demonização das religiosidades afro-brasileiras. Essa disputa pelo "mercado da fé" revela as profundas raízes do racismo estrutural brasileiro, que se manifesta na desqualificação e na aniquilação dos saberes e práticas não brancos.
Ao longo do livro, Luiz Antonio Simas adota uma abordagem multidisciplinar, transitando entre a História, a Antropologia, a Sociologia e a Filosofia, de modo a compreender as umbandas em sua complexidade e dinamismo. Sua escrita poética e envolvente convida o leitor a mergulhar nesse universo encantado, revelando as sutilezas, contradições e belezas que permeiam as práticas religiosas afro-brasileiras e sua relação com a formação do Brasil.
Ao explorar tanto a "poética do encantamento" quanto a "política do encantamento", Simas nos apresenta uma obra que transcende os limites da mera descrição etnográfica ou histórica. Seu texto é uma convocação à compreensão das umbandas como manifestações vivas de uma "brasilidade forjada nas miudezas da nossa gente", que insistem na beleza espantosa presente em rituais de afirmação da vida, em contraposição à lógica colonial de aniquilação e morte.
Referências
SIMAS, Luiz Antonio. Umbandas: uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.
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