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Resenha: Não existe linguagem neutra: gênero na sociedade e na gramática do português brasileiro, de Raquel Freitag


APRESENTAÇÃO

Está nos jornais, virou conversa de bar e até tema de discursos inflamados de parlamentares: a tal da linguagem neutra ganhou as ruas e há trincheiras a favor e contra. Mas o que é exatamente linguagem neutra? Existe gênero gramatical neutro? E linguagem inclusiva? A escola deve ensinar marcas não binárias? Quais são essas marcas no português? Em um livro fascinante, Raquel Freitag mostra que o português brasileiro está passando por um momento de menor estabilidade, com a regra de uma hegemonia, o masculino genérico, sendo ameaçada. E discute, ainda, como a ambiguidade do adjetivo “neutra” do título do livro permite que diferentes grupos evoquem a sua perspectiva, alinhada ao seu modo de ver e conceber o mundo.

RESENHA

O livro de Raquel Freitag discute a questão da linguagem neutra em relação aos gêneros das pessoas, abordando diferentes formas de expressão como "todos e todas", "todes", "todos, todas e todes", "tod@", "todx", "tods". Mostra como a linguagem reflete e perpetua hierarquias sociais e promove discriminação e preconceito. Destaca a importância da Sociolinguística no estudo das relações entre língua e sociedade, e a influência da ideologia nas escolhas linguísticas. A autora ainda argumenta que não existe neutralidade na linguagem, pois as pessoas expressam quem são e a que grupo pertencem. O texto também explora a presença da discussão sobre linguagem neutra na academia e na sociedade, abordando a importância da diversidade de perspectivas e da popularização da ciência. Por fim, apresenta os capítulos de um livro que reflete sobre a diversidade linguística e os debates em torno da linguagem inclusiva.

A autora discorre sobre a preocupação de parlamentares brasileiros com projetos de lei relacionados à preservação da norma culta da língua portuguesa e à proibição do uso de linguagem neutra, em meio à pandemia de covid-19. Discute a falta de consciência das regras da língua e a percepção da mudança linguística, abordando a necessidade de compreender como o gênero se conforma na sociedade e na língua. Também menciona iniciativas legislativas em outros países relacionadas ao uso de marcas não binárias na linguagem. A percepção das regras da língua é fundamental para a constituição da identidade linguística das pessoas. A consciência sociolinguística envolve conhecer as diferentes maneiras de falar e como isso varia em diferentes contextos sociais. As pessoas têm conhecimentos específicos sobre a estrutura da língua e também sobre aspectos sociais, como variação linguística. A percepção das regras da língua pode ser implícita (observando e inferindo) ou explícita (por meio de correção ou instrução formal). A consciência sociolinguística popular e o prescritivismo influenciam a forma como as pessoas percebem e codificam as regras da língua. E é importante considerar o que as pessoas comuns pensam sobre a língua, pois isso influencia as práticas linguísticas da sociedade.

A autora aborda a questão da linguagem neutra, que não existe de fato, e como a gramática e as normas linguísticas são influenciadas pela sociedade e pelas mudanças sociais. Os especialistas e não especialistas têm visões diferentes sobre as regras da linguagem, o que pode levar a interpretações equivocadas e conflitos. A norma-padrão da língua é uma construção social e histórica, e as mudanças na linguagem podem refletir mudanças na sociedade. Novas formas de referência de gênero na língua são discutidas como uma forma de dar visibilidade a grupos minorizados. A relação entre linguagem e sociedade é abordada como um aspecto importante a ser considerado na análise dos processos de mudança linguística.

Freitag argumenta que a conformação do gênero começa desde a gestação, com a definição do sexo do bebê influenciando em todas as escolhas e expectativas futuras. No entanto, as questões de gênero vão além do binarismo masculino e feminino, exigindo a separação entre sexo biológico e gênero social. Movimentos como o feminismo de terceira e quarta onda buscam expandir as noções de gênero, permitindo identidades diversas e fluidas. A luta contra o sexismo e a hierarquia heterocisnormativa se reflete na linguagem, com debates sobre a inclusão e a representação precisa de gênero na sociedade. A autora aborda as diferenças atribuídas ao gênero social para explicar comportamentos linguísticos de homens e mulheres, apresentando diferentes perspectivas teóricas sobre a relação entre linguagem e gênero. Discute-se a linguagem das mulheres como um "sexoleto", com características como vocabulário específico, adjetivos vazios e uma entonação interrogativa. Explora-se também a dominância masculina na linguagem, destacando diferenças na interação entre homens e mulheres. Além disso, são apresentadas abordagens que analisam a fala feminina não como uma questão de opressão, mas como estratégias linguísticas próprias das mulheres, demonstrando características como colaboração e cooperação na comunicação. Por fim, discute-se a construção discursiva e dinâmica de gênero, considerando a identidade de gênero como uma construção social.

Raquel Freitag aborda a questão do gênero gramatical na língua portuguesa e em outras línguas, mostrando como a necessidade de atribuir um gênero gramatical a palavras não está necessariamente ligada ao sexo ou ao gênero das pessoas ou objetos referidos. Ele também discute as diferentes manifestações do gênero gramatical em diferentes línguas e dentro da mesma língua, bem como a relação entre gênero gramatical e gênero referencial, sexual, civil e identitário. O texto aponta para a necessidade de reconfiguração das regras gramaticais em relação ao gênero, especialmente no que se refere à inclusão de pessoas que não se identificam com o binário de gênero masculino e feminino. Ele destaca a importância da mudança nas gramáticas como reflexo das mudanças na sociedade em relação ao gênero.

A obra de Raquel Freitag apresenta uma abordagem profunda e abrangente sobre a linguagem neutra e a relação entre língua e sociedade. Ao explorar diferentes formas de expressão e discutir a influência da ideologia na escolha linguística, a autora destaca a importância da Sociolinguística no entendimento das relações de poder e discriminação presentes na linguagem. Além disso, a autora promove a conscientização sobre a necessidade de reconhecer e respeitar a diversidade de identidades de gênero, estimulando reflexões sobre a forma como a linguagem pode reproduzir e reforçar estereótipos prejudiciais.

Por meio de uma análise cuidadosa e aprofundada, Freitag evidencia como a linguagem reflete e influencia as estruturas sociais, ressaltando a importância de congregar diferentes perspectivas e vozes na discussão sobre linguagem inclusiva. Sua obra não apenas denuncia as formas de discriminação presentes na linguagem, mas também sugere caminhos e possibilidades para a construção de um discurso mais equitativo e respeitoso com as diversas identidades de gênero. Dessa forma, o livro de Raquel Freitag se destaca não apenas como uma contribuição relevante para os estudos linguísticos, mas também como um manifesto pela diversidade e pela igualdade de direitos linguísticos e sociais.

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