APRESENTAÇÃO
Como poeta e morador da periferia, Sérgio Vaz sabe, como ninguém, transmitir a alma das ruas. Em Flores de alvenaria o autor nos lança nas calçadas do subúrbio e descortina um universo muitas vezes invisível por meio de textos, ora em verso, ora em prosa, sobre os mais variados temas: educação, negritude, liberdade, sexo, empatia.
Com apresentação do cantor e compositorChico César , a obra traz diálogos, relembra a situação da periferia em outras épocas e conta com poemas que costumam ser declamados na Cooperifa , evento criado pelo poeta que transformou um bar de Taboão da Serra em um evento cultural.
RESENHA
A obra "Flores de Alvenaria" do poeta Sérgio Vaz é uma importante contribuição para a literatura brasileira contemporânea, principalmente no que diz respeito à poesia produzida nas periferias urbanas. Vaz, que é um dos principais expoentes do movimento cultural da Periferia de São Paulo, apresenta neste livro uma coletânea de poemas, crônicas e textos que revelam a riqueza e a diversidade da produção literária emergente das comunidades marginalizadas.
Ao longo desta resenha, buscaremos analisar os principais aspectos formais e temáticos da obra, bem como sua relevância no contexto sociocultural em que está inserida. Para tanto, dividiremos a discussão em três eixos principais: 1) A construção poética e a linguagem utilizada por Vaz; 2) As temáticas abordadas e sua relação com a realidade da periferia; 3) O papel da obra como manifestação cultural e política de resistência.
Um dos aspectos mais notáveis da obra de Sérgio Vaz é sua construção poética singular, marcada por uma linguagem que rompe com os padrões convencionais da poesia canônica. Ao longo de "Flores de Alvenaria", o autor emprega uma dicção coloquial, permeada por gírias, expressões populares e ritmos próprios da oralidade. Essa opção estética não se dá de forma aleatória, mas reflete uma clara intencionalidade do poeta em dar voz a uma perspectiva marginal, que se distancia das normas cultas da língua.
Nesse sentido, a obra de Vaz pode ser compreendida como uma espécie de "deglutição" dos cânones literários, em que a tradição é reelaborada a partir de uma ótica periférica. Tal estratégia se revela, por exemplo, na maneira como o autor reinterpreta clássicos da literatura brasileira, como os poemas de Castro Alves e as canções de Cartola, ressignificando-os em chave contemporânea e popular.
Além disso, a construção formal dos poemas também se destaca pela experimentação com diferentes gêneros e estruturas, transitando entre versos livres, prosa poética, letras de música e até mesmo a dramaticidade de diálogos. Essa heterogeneidade formal reflete a própria diversidade da expressão artística da periferia, que não se limita a modelos pré-estabelecidos.
Outro aspecto central da obra de Sérgio Vaz diz respeito às temáticas abordadas, que se encontram profundamente enraizadas na realidade da periferia urbana. Temas como a violência, a desigualdade social, o racismo, a precariedade das condições de vida e a luta pela sobrevivência permeiam grande parte dos textos, revelando um olhar atento e engajado do poeta em relação aos problemas que afetam diretamente as comunidades marginalizadas.
Nesse sentido, a obra de Vaz pode ser compreendida como uma espécie de "crônica poética" da vida nas periferias, em que a linguagem artística se torna um meio de denúncia e de reivindicação de direitos. Ao retratar o cotidiano de privações, lutas e resistências, o autor confere visibilidade a uma realidade muitas vezes invisibilizada ou distorcida nos discursos hegemônicos.
Além disso, a obra também se destaca pela representação de experiências e subjetividades que desafiam os estereótipos comumente associados à periferia. Personagens como o "poeta das ruas", a "Maria fodida" e o "vira-lata" são construídos com profundidade psicológica, revelando a complexidade das vivências individuais e coletivas nesse contexto.
Ao analisarmos a obra de Sérgio Vaz sob uma perspectiva mais ampla, é possível compreendê-la também como uma importante manifestação cultural e política de resistência. Inserida no contexto do movimento cultural da Periferia de São Paulo, "Flores de Alvenaria" se configura como uma expressão artística que busca afirmar a voz e a agência das comunidades marginalizadas.
Nesse sentido, a própria trajetória de Vaz como poeta e agitador cultural, fundador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), é emblemática. Sua atuação na organização de saraus, eventos literários e ações comunitárias demonstra um claro engajamento em prol da democratização do acesso à cultura e da valorização das manifestações artísticas periféricas.
Além disso, a obra em si se apresenta como uma forma de resistência simbólica, na medida em que subverte os cânones literários e dá visibilidade a narrativas e perspectivas historicamente silenciadas. Ao reclamar o direito de dizer a sua própria história, Vaz e outros autores periféricos contribuem para a construção de uma nova hegemonia cultural, pautada na diversidade e no protagonismo das vozes marginais.
Em síntese, a obra "Flores de Alvenaria" de Sérgio Vaz se destaca pela sua relevância no contexto da literatura brasileira contemporânea, especialmente no que diz respeito à poesia produzida nas periferias urbanas. Através de uma linguagem singular, marcada pela oralidade e pela experimentação formal, o autor aborda temáticas intimamente ligadas à realidade das comunidades marginalizadas, conferindo visibilidade a experiências e subjetividades historicamente invisibilizadas.
Além disso, a obra de Vaz pode ser compreendida como uma manifestação cultural e política de resistência, na medida em que se insere em um movimento mais amplo de afirmação da voz e da agência das periferias. Nesse sentido, a trajetória do poeta e sua atuação como organizador de eventos literários e ações comunitárias também se revelam como importantes elementos de análise.
Portanto, a leitura e a análise de "Flores de Alvenaria" nos permitem não apenas apreciar a riqueza estética da produção literária periférica, mas também compreender sua relevância enquanto ferramenta de transformação social e cultural. Trata-se, assim, de uma obra fundamental para o entendimento da complexidade e da diversidade da literatura brasileira contemporânea.
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